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O Brasil deve mudar sua relação com o FMI

Lula

A nova posição de credor do Fundo Monetário coloca o país em situação incômoda: o governo não pode culpar as “instituições imperialistas”

Durante recente encontro do Fundo Monetário Internacional (FMI), o Brasil recebeu, juntamente com a China e com a Índia, reconhecimento como peso-pesado econômico global, quando o fundo concedeu-lhes papel significativamente maior na estabilização da economia mundial. Brasil, China, Índia e Rússia agora são “atores de relevo”, conforme teria afirmado Strauss-Kahn, do FMI, em coletiva à imprensa.

Enquanto o presidente Lula ainda podia, convenientemente, usar o FMI como bode expiatório para problemas globais, Dilma enfrentará a difícil tarefa de conduzir a sociedade brasileira em meio a uma crise de identidade que opõe tradições, princípios e antigas crenças a um desconhecido conjunto de desafios resultantes dessa nova posição. Depois de décadas criticando o piloto, é a vez de o Brasil se sentar no cockpit.

Ao longo das últimas décadas, a intervenção do FMI na política econômica do Brasil deixou cicatrizes na identidade do país; a dependência do fundo e a impressão de ser vítima dele tiveram papel importante na formação da autoimagem brasileira. O FMI contribuiu para sustentar um discurso terceiro-mundista entre os políticos no Brasil. Agora, o jogo virou. O Brasil quitou suas dívidas e se tornou potência econômica; a nova posição de credor o coloca em uma situação delicada: o governo não pode mais culpar as “instituições imperialistas do mal”. Pior ainda: com maior participação nas votações, o Brasil tem de assumir maior responsabilidade sobre as decisões do fundo.

Isso o coloca naquela posição de intromissor que tanto desprezou um dia. Cabe a questão: como o Brasil lida com seu passado de país em desenvolvimento, agora que ele próprio intervém, por meio do fundo, em países pobres?

Dado o trauma que o Brasil guarda da tutela do FMI, juntar-se a ele é sinal de uma política madura. O Brasil percebeu que o mundo necessita de um credor confiável como último recurso; em vez de se afastar do FMI, é responsabilidade do país torná-lo mais legítimo. Essa mudança de posição é particularmente notável quando se leva em consideração que a ideologia de Lula é fundamentada no confronto entre ricos e pobres, tanto no nível interno quanto no internacional.

À medida que o Brasil continuar a crescer, a identidade dele não será nem a dos países em desenvolvimento nem a dos atuais países desenvolvidos. Entretanto, estará sujeito às mesmas regras da natureza. Se Brasil quer jogar no time das grandes potências, terá por vezes que pisar nos pés de países menores.

“Se você está em uma banheira com um elefante”, disse uma vez Graham Allison, de Harvard, “a situação é desconfortável, não importa quão gentil o elefante tente ser”. Posicionar-se em relação a um financiamento polêmico levará atores menores a criticar o Brasil, da mesma forma que o Brasil uma vez denunciou os Estados Unidos. Esse processo de transformação exigirá visão, disposição para sair da zona de conforto e, acima de tudo, coragem para ser desleal a convicções de longa data.


OLIVER STUENKEL, 28, é professor visitante de relações internacionais na USP.

SOBRE

Oliver Stuenkel

Oliver Della Costa Stuenkel é analista político, autor, palestrante e professor na Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Ele também é pesquisador no Carnegie Endowment em Washington DC e no Instituto de Política Pública Global (GPPi) ​​em Berlim, e colunista do Estadão e da revista Americas Quarterly. Sua pesquisa concentra-se na geopolítica, nas potências emergentes, na política latino-americana e no papel do Brasil no mundo. Ele é o autor de vários livros sobre política internacional, como The BRICS and the Future of Global Order (Lexington) e Post-Western World: How emerging powers are remaking world order (Polity). Ele atualmente escreve um livro sobre a competição tecnológica entre a China e os Estados Unidos.

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