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Os doadores emergentes e o futuro do regime da assistência econômica

Newsletter Prisma

13/07/11

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Durante a cúpula Índia-África em Addis Abeba, na Etiópia, no final de maio, o governo indiano prometeu enviar 5 bilhões de dólares de ajuda para países africanos, um pronunciamento que simbolizou a transformação histórica da Índia, de receptora de ajuda internacional em país doador, formando, juntamente com a China e o Brasil a nova categoria de “doadores emergentes”, que transformará o regime de ajuda econômica global e a forma como pensamos sobre o combate à pobreza e o desenvolvimento em geral.

Desde seu começo depois da Segunda Guerra Mundial, o regime internacional de ajuda econômica tem sido dominado por doadores ocidentais, representados pelo Comitê de Ajuda ao Desenvolvimento (CAD), inserido na OECD, em organizações como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e os bancos regionais de desenvolvimento. Embora essas agências não sejam homogêneas no seu ponto de vista sobre desenvolvimento, e muitas vezes não alcançam seus objetivos, elas são essenciais no processo de definição dos termos e conceitos chave do regime, identificando as melhores práticas e fornecendo um arcabouço analítico.

Os doadores emergentes afetam o regime de assistência econômica em várias dimensões. Primeiro, procuram uma representação maior nas principais instituições de desenvolvimento, alterando o modo como essas instituições operam. Segundo, oferecem outros tipos de assistência bilateral, por exemplo, créditos com menos condicionalidades, reduzindo a atratividade dos créditos de doadores estabelecidos. Terceiro, a presença contínua de pobreza doméstica nas próprias potências emergentes cria uma situação inédita na qual as pessoas mais pobres vivem em países que já não são considerados pobres, e, muitas vezes, não aceitam mais assistência ao desenvolvimento: Apesar da Índia ter se transformado em um doador importante de ajuda econômica na Ásia e na África, 300 milhões de indianos vivem abaixo da linha da pobreza (mais do que na África inteira), assim como quarenta milhões de brasileiros e 130 milhões de chineses. Isto significa que quase a metade dos pobres no mundo estão localizados em países de renda média, fora do alcance da assistência ao desenvolvimento dos doadores estabelecidos.

Até agora, existem poucas análises de longo prazo sobre a atuação dos novos atores no regime de assistência econômica, mas já podemos apontar uma série de tendências interessantes. Em primeiro lugar, o vocabulário tradicional, criado pelos membros do CAD, não é mais suficiente para descrever a situação adequadamente: O Brasil, a China e a Índia não se enxergam como doadores, mas como parceiros ou investidores, e tentam se relacionar com os países pobres como iguais. Isto traz uma pergunta importante: O que qualifica como ‘ajuda’, ‘assistência’ ou ‘doação’, e o que é ‘investimento’? Como categorizar a concessão de um crédito favorável ligado ao investimento de uma empresa indiana na África? Os doadores estabelecidos tradicionalmente tem feito uma distinção clara entre os dois, o que é visível na separação organizacional, na maioria dos países, entre ministérios de relações exteriores e dos ministérios de assistência econômica. Os emergentes, pelo contrário, muitas vezes resistem argumentando que não é possível fazer esta distinção e que não têm ministérios separados responsáveis para assistência ao desenvolvimento – como é comum entre os membros da OECD – e geralmente carecem mecanismos de avaliação de impacto de projetos, postulado na Declaração de Paris, que procura regulamentar o regime de ajuda econômica.

Ainda não está claro se os novos atores como o Brasil, a Índia ou a China procuram apenas alterar detalhes do regime atual – por exemplo, reduzindo condicionalidades ligadas à empréstimos – ou se pretendem reformular as características fundamentais do regime. Alguns analistas apontam que a entrada dos ‘doadores emergentes’ é tão grande que a abordagem ocidental perderá seu apelo. Como exemplo, lembram que em 2004 o governo angolano rejeitou um crédito do Fundo Monetário Internacional no último momento, aceitando, em vez disso, um crédito chinês sem condicionalidades. Outra possibilidade é que os doadores emergentes enfrentarão os mesmos problemas que os atores estabelecidos enfrentaram, se alinhando cada vez mais com as regras estabelecidas pelo CAD.

Esta breve análise mostra que o regime de assistência econônica está passando por um processo importante de transformação, e é o regime onde uma mudança fundamental de poder para potências emergentes mais claramente se manifesta.

*Oliver Stuenkel é professor adjunto de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas, com atuação em São Paulo.

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SOBRE

Oliver Stuenkel

Oliver Della Costa Stuenkel é analista político, autor, palestrante e professor na Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Ele também é pesquisador no Carnegie Endowment em Washington DC e no Instituto de Política Pública Global (GPPi) ​​em Berlim, e colunista do Estadão e da revista Americas Quarterly. Sua pesquisa concentra-se na geopolítica, nas potências emergentes, na política latino-americana e no papel do Brasil no mundo. Ele é o autor de vários livros sobre política internacional, como The BRICS and the Future of Global Order (Lexington) e Post-Western World: How emerging powers are remaking world order (Polity). Ele atualmente escreve um livro sobre a competição tecnológica entre a China e os Estados Unidos.

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