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Para cientista político, Brics querem fazer parte da elite global sem perder contato com países em desenvolvimento
Oliver Stuenkel, alemão, desembarcou no Brasil nos anos 90. Especialista em economias emergentes, defende a reforma do Conselho de Segurança da ONU, com a possibilidade de inclusão do Brasil.
Stuenkel, no entanto, considera que os Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) vivem uma “crise de identidade”, já que agem como grandes potências, o que atrapalha “a capacidade de unir forças com os países em desenvolvimento”. Para ele, os países emergentes ainda precisam aprender a usar a sua força.
Oliver Stuenkel é o coordenador do workshop “Rising powers and global challenges”, organizado pela Fundação Getúlio Vargas, PUC-Rio e Fundação Konrad Adenauer, que começou ontem e termina hoje em São Paulo. O evento será relatado em livro a ser lançado em janeiro do próximo ano.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Como surgiu a ideia do livro?
Escolhemos quatro desafios globais. Os que consideramos ser os grandes desafios que a humanidade enfrenta neste momento. Nos primeiros quatro capítulos, pensamos sobre soluções e no quinto a grande questão é como implementar tudo aquilo. Então, o capítulo um, dois, três e o quatro são: mudanças climáticas, guerras, pobreza e proliferação nuclear. O quinto é um pouco sobre como implementar tudo isso, quais são as instruções adequadas para fazer.
Então o livro trata sobre como os emergentes podem colaborar na solução desses problemas?
É. Porque, no fundo, nas relações internacionais a forma de pensar os problemas é sob perspectivas dos EUA e da Europa. Portanto, na forma de como solucionar esses problemas, países como o Brasil e a Índia ainda não têm muita influência. E acho que está ficando cada vez mais claro que não há soluções duradouras para nenhum desses problemas sem a colaboração ativa do Brasil, da Índia e da China. Queremos apenas falar sobre essas formas. Trouxemos os maiores especialistas de cada país para ver onde cada um pode colaborar. Faz sentido dividir o mundo em Norte e Sul? Queremos ver se toda essa retórica do último governo (Luiz Inácio Lula da Silva), que diz claramente que o País precisa se orientar mais para o Sul e criar alianças Sul-Sul, é realmente a solução.
Ou se a solução é mais global…
Exatamente. Esse é um debate importante. Mas em vários temas vemos uma separação muito clara. Na questão das mudanças climáticas, por exemplo. Há uma posição dos emergentes em eles acham que é uma responsabilidade histórica.
Pois ainda estão crescendo…
É, isso é o que eles consideram. Então, nessa área temos dois pontos de vista. Mas em outros temas não é bem assim. A grande questão para o Brasil é se faz sentido se aliar a outros países do Sul nesses temas ou é preciso se aliar em alguns aspectos com Índia e China.
Nos anos 70, tínhamos como os grandes poderosos os EUA e a União Soviética. E hoje o poder está mais distribuído. Temos os Brics, por exemplo. Se esse poder se unir é possível solucionar grandes problemas. É isso?
Na verdade, há uma distribuição de poder econômico. A grande questão é como isso se traduz na possibilidade de os emergentes se articularem. Então, por exemplo, a questão é se o Brasil deve ou não entrar no Conselho de Segurança da ONU. Há países que dizem que o Brasil ainda não tem como exercer essa responsabilidade.
E, na sua opinião, tem?
Acho que alguns países do Conselho de Segurança dizem que o Brasil precisa assumir mais responsabilidades para solucionar problemas. Mas quem define o que é responsável e o que não é tem muito a ver com quais são os problemas. E isso é onde eu acho que estamos em uma nova fase. Porque o Brasil tem um papel importante na definição de quais são esses problemas e quais são as melhores abordagens. Os países que criticam Índia, China e Brasil dizem que eles ainda não se comportam de fato como países responsáveis. Porque agora, por exemplo, não apoiaram uma resolução contra a Síria.
A sua opinião, portanto, é de que é difícil responder.
Acredito que precisa de reforma. E qualquer reforma deve incluir o Brasil. Mas não só o Brasil. Inclui a Índia e um ou dois africanos. Mas a grande questão é se um aumento do Conselho aumentaria a legitimidade do órgão. Enfim, é difícil dizer. Não sei se dá pra dizer se o Brasil merece entrar ou não.
O G-20 substituirá o G-8?
Acho que sim. Obviamente há um papel importante também do G-8. E, no longo prazo, é preciso utilizar o G-20 como plataforma principal. Porque, quando olhamos grandes problemas financeiros, se não congregar a China para debater a crise, por exemplo, não faz muito sentido. Então, creio que no longo prazo o G-20 será mais importante. Mas ainda há momentos em que o Brasil foge um pouco da responsabilidade e atores que criticam o Brasil usam esses momentos para apontar. A questão da Síria fortalece os que dizem que o Brasil está com uma abordagem seletiva.
Os Brics são os líderes globais entre os emergentes?
A África do Sul agora se juntou aos Brics. Agregaram um S (South Africa). Esses países agora enfrentam uma tensão muito grande. Por um lado, querem representar os países em desenvolvimento. Por outro, cada vez mais o interesse deles será mais parecido com o dos países estabelecidos. Ou seja, os países em desenvolvimento defendem a soberania, são contra intervenções. Mas os emergentes têm interesses econômicos em todas as regiões. O Brasil quer fazer parte de uma oligarquia sem perder contato com os países em desenvolvimento. Isso causa tensão. Então, os Brics se colocam numa posição que atrapalha um pouco a capacidade que eles têm de juntar apoio entre os países em desenvolvimento.
Com o seu olhar estrangeiro e há alguns anos no Brasil, percebe a evolução do País?
O Brasil avançou muito em diversas questões. É um país que, cada vez mais, soluciona problemas internos, mas também cada vez mais perguntam qual será a contribuição do Brasil no exterior. Como o Brasil pode ser um ator importante do exterior? Como pode se projetar no exterior? E qual é a capacidade do País de solucionar grandes problemas globais? O Brasil pode fornecer bens públicos globais. Pode ser um ator importante na luta contra o aquecimento global, por exemplo. E esse é um debate novo.
A solução da crise tem que ter a participação de todos os países, incluindo os emergentes?
O grande erro do Brasil seria de ficar orgulhoso por não ser atingido pela crise, e aí há o risco de o País não enxergar a crise como ameaça. A Europa é um mercado muito importante para o Brasil. Então, é do interesse do Brasil solucionar esses problemas também. E com certeza os emergentes terão papel importante na solução da crise.
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