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‘Emergentes vivem crise de identidade’

Lula Sarkozy

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Para cientista político, Brics querem fazer parte da elite global sem perder contato com países em desenvolvimento

07 de outubro de 2011 | 3h 04
 
ROBERTA SCRIVANO – O Estado de S.Paulo

Oliver Stuenkel, alemão, desembarcou no Brasil nos anos 90. Especialista em economias emergentes, defende a reforma do Conselho de Segurança da ONU, com a possibilidade de inclusão do Brasil.

Stuenkel, no entanto, considera que os Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) vivem uma “crise de identidade”, já que agem como grandes potências, o que atrapalha “a capacidade de unir forças com os países em desenvolvimento”. Para ele, os países emergentes ainda precisam aprender a usar a sua força.

Oliver Stuenkel é o coordenador do workshop “Rising powers and global challenges”, organizado pela Fundação Getúlio Vargas, PUC-Rio e Fundação Konrad Adenauer, que começou ontem e termina hoje em São Paulo. O evento será relatado em livro a ser lançado em janeiro do próximo ano.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como surgiu a ideia do livro?

Escolhemos quatro desafios globais. Os que consideramos ser os grandes desafios que a humanidade enfrenta neste momento. Nos primeiros quatro capítulos, pensamos sobre soluções e no quinto a grande questão é como implementar tudo aquilo. Então, o capítulo um, dois, três e o quatro são: mudanças climáticas, guerras, pobreza e proliferação nuclear. O quinto é um pouco sobre como implementar tudo isso, quais são as instruções adequadas para fazer.

Então o livro trata sobre como os emergentes podem colaborar na solução desses problemas?

É. Porque, no fundo, nas relações internacionais a forma de pensar os problemas é sob perspectivas dos EUA e da Europa. Portanto, na forma de como solucionar esses problemas, países como o Brasil e a Índia ainda não têm muita influência. E acho que está ficando cada vez mais claro que não há soluções duradouras para nenhum desses problemas sem a colaboração ativa do Brasil, da Índia e da China. Queremos apenas falar sobre essas formas. Trouxemos os maiores especialistas de cada país para ver onde cada um pode colaborar. Faz sentido dividir o mundo em Norte e Sul? Queremos ver se toda essa retórica do último governo (Luiz Inácio Lula da Silva), que diz claramente que o País precisa se orientar mais para o Sul e criar alianças Sul-Sul, é realmente a solução.

Ou se a solução é mais global…

Exatamente. Esse é um debate importante. Mas em vários temas vemos uma separação muito clara. Na questão das mudanças climáticas, por exemplo. Há uma posição dos emergentes em eles acham que é uma responsabilidade histórica.

Pois ainda estão crescendo…

É, isso é o que eles consideram. Então, nessa área temos dois pontos de vista. Mas em outros temas não é bem assim. A grande questão para o Brasil é se faz sentido se aliar a outros países do Sul nesses temas ou é preciso se aliar em alguns aspectos com Índia e China.

Nos anos 70, tínhamos como os grandes poderosos os EUA e a União Soviética. E hoje o poder está mais distribuído. Temos os Brics, por exemplo. Se esse poder se unir é possível solucionar grandes problemas. É isso?

Na verdade, há uma distribuição de poder econômico. A grande questão é como isso se traduz na possibilidade de os emergentes se articularem. Então, por exemplo, a questão é se o Brasil deve ou não entrar no Conselho de Segurança da ONU. Há países que dizem que o Brasil ainda não tem como exercer essa responsabilidade.

E, na sua opinião, tem?

Acho que alguns países do Conselho de Segurança dizem que o Brasil precisa assumir mais responsabilidades para solucionar problemas. Mas quem define o que é responsável e o que não é tem muito a ver com quais são os problemas. E isso é onde eu acho que estamos em uma nova fase. Porque o Brasil tem um papel importante na definição de quais são esses problemas e quais são as melhores abordagens. Os países que criticam Índia, China e Brasil dizem que eles ainda não se comportam de fato como países responsáveis. Porque agora, por exemplo, não apoiaram uma resolução contra a Síria.

A sua opinião, portanto, é de que é difícil responder.

Acredito que precisa de reforma. E qualquer reforma deve incluir o Brasil. Mas não só o Brasil. Inclui a Índia e um ou dois africanos. Mas a grande questão é se um aumento do Conselho aumentaria a legitimidade do órgão. Enfim, é difícil dizer. Não sei se dá pra dizer se o Brasil merece entrar ou não.

O G-20 substituirá o G-8?

Acho que sim. Obviamente há um papel importante também do G-8. E, no longo prazo, é preciso utilizar o G-20 como plataforma principal. Porque, quando olhamos grandes problemas financeiros, se não congregar a China para debater a crise, por exemplo, não faz muito sentido. Então, creio que no longo prazo o G-20 será mais importante. Mas ainda há momentos em que o Brasil foge um pouco da responsabilidade e atores que criticam o Brasil usam esses momentos para apontar. A questão da Síria fortalece os que dizem que o Brasil está com uma abordagem seletiva.

Os Brics são os líderes globais entre os emergentes?

A África do Sul agora se juntou aos Brics. Agregaram um S (South Africa). Esses países agora enfrentam uma tensão muito grande. Por um lado, querem representar os países em desenvolvimento. Por outro, cada vez mais o interesse deles será mais parecido com o dos países estabelecidos. Ou seja, os países em desenvolvimento defendem a soberania, são contra intervenções. Mas os emergentes têm interesses econômicos em todas as regiões. O Brasil quer fazer parte de uma oligarquia sem perder contato com os países em desenvolvimento. Isso causa tensão. Então, os Brics se colocam numa posição que atrapalha um pouco a capacidade que eles têm de juntar apoio entre os países em desenvolvimento.

Com o seu olhar estrangeiro e há alguns anos no Brasil, percebe a evolução do País?

O Brasil avançou muito em diversas questões. É um país que, cada vez mais, soluciona problemas internos, mas também cada vez mais perguntam qual será a contribuição do Brasil no exterior. Como o Brasil pode ser um ator importante do exterior? Como pode se projetar no exterior? E qual é a capacidade do País de solucionar grandes problemas globais? O Brasil pode fornecer bens públicos globais. Pode ser um ator importante na luta contra o aquecimento global, por exemplo. E esse é um debate novo.

A solução da crise tem que ter a participação de todos os países, incluindo os emergentes?

O grande erro do Brasil seria de ficar orgulhoso por não ser atingido pela crise, e aí há o risco de o País não enxergar a crise como ameaça. A Europa é um mercado muito importante para o Brasil. Então, é do interesse do Brasil solucionar esses problemas também. E com certeza os emergentes terão papel importante na solução da crise.

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SOBRE

Oliver Stuenkel

Oliver Della Costa Stuenkel é analista político, autor, palestrante e professor na Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Ele também é pesquisador no Carnegie Endowment em Washington DC e no Instituto de Política Pública Global (GPPi) ​​em Berlim, e colunista do Estadão e da revista Americas Quarterly. Sua pesquisa concentra-se na geopolítica, nas potências emergentes, na política latino-americana e no papel do Brasil no mundo. Ele é o autor de vários livros sobre política internacional, como The BRICS and the Future of Global Order (Lexington) e Post-Western World: How emerging powers are remaking world order (Polity). Ele atualmente escreve um livro sobre a competição tecnológica entre a China e os Estados Unidos.

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