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Por Oliver Stuenkel*
Com os Estados Unidos e a Europa enfrentando suas profundas dificuldades financeiras, o declínio do Ocidente e a ‘ascensão do restante’ marcam profundamente o discurso político internacional. Analistas preveem o alvorecer de uma nova ordem mundial predominantemente liderada por potências emergentes como a China, a Índia e o Brasil, e perguntam-se qual será a natureza dessa nova ordem.
Sobejam analogias entre os Estados Unidos e o Império Romano em decadência. Mas em vez de subverter a ordem mundial do Ocidente, a principal característica que distinguirá o mundo pós-ocidente será o projeto das potências emergentes de contestarem o monopólio ocidental sobre a definição de modernidade. Eis a grande batalha do século 21.
O derrotismo ocidental tem sido uma marca constante da narrativa norte-americana desde a década de 1950, quando a União Soviética lançou o satélite Sputnik. Mas o pessimismo atual fundamenta-se em uma análise mais sólida, e as potências emergentes atuais – principalmente a China – exibem um dinamismo e um crescimento constante do qual a União Soviética jamais foi capaz. O fim da dominação norte-americana é tão dado por certo que podemos até prever, com bastante exatidão, quando ele ocorrerá. Até 2025, os Estados Unidos passarão o bastão para a China, que voltará a ser a maior economia do mundo, posição que ocupava antes da ascensão do Ocidente. Algumas décadas depois, a Índia empurrará os EUA para o terceiro lugar.
No entanto, é descabido o receio de que os BRICS representem uma espécie de aliança antissistêmica. A crítica e o apelo das potências emergentes por mais responsabilidade nas estruturas existentes é prova da convicção delas de que os fundamentos do sistema estão consolidados. Nesse aspecto, a ordem mundial do Ocidente provavelmente permanecerá, mesmo sob liderança não-Ocidental. Os princípios de regras, de constitucionalismo e deabertura econômica subjacentes ao sistema são demasiado atraentes, e sua estrutura, mutuamente benéfica, para que as potências emergentes os eliminem.
Em vez de derrubar o sistema que possibilitou sua ascensão, os atores emergentes focarão em redesenhar o conceito de modernidade na sua própria imagem. Em vez de ser simbolizada apenas pelo Ocidente, a modernidade será disputada fortemente entre atores diferentes, devárias regiões do mundo. Durante o século 20, os EUA não apenas eram o país mais poderoso do mundo, mas também conseguiram simbolizar modernidade, e a maioria sociedades tentaram emulá-lo.
No entanto, a deslegitimação do sistema financeiro mundial liderado pelos EUA e a capacidade dos emergentes de continuar seu crescimento histórico claramente sinalizam um mundo em que modernidade será abertamente disputada entre os EUA, a China, a Índia e o Brasil. Essa mudança é mais visível na África onde um número crescente de líderes tenta emular a China, em vez de tentar a copiar os países ocidentais.
O Ocidente terá dificuldades de se adaptar a essa nova realidade. Sua capacidade de definir standards globais e de se apresentar como a personificação de uma modernidade inevitável onde todos chegarão fez deles, sobretudo os EUA, extremamente assertivos, e paradoxalmente, paroquiais e dogmáticos. Contrário a todas as outras civilizações do mundo, o Ocidente nunca teve que se adaptar a normas estrangeiras. Em alguns casos, conceitos não-ocidentais têm sido incluídos mas a civilização ocidental nunca vivenciou o trauma de povos africanos, chineses, ameríndios ou indianos que se viram forçados a abrir mão a uma parte significante da sua DNA cultural e adotar normas ocidentais. O sucesso do Ocidente foi tão abundantemente claro nos últimos séculos que ficou difícil distinguir entre a modernização e a ocidentalização. Os debates atuais na Europa sobre imigração e o fim do welfare state, augura um longo e árduo processo dequestionar lealdades e convicções tradicionais.
Como o mundo deve lidar com este processo? Potências estabelecidas têm que assegurar que as demandas dos novos atores por mais responsabilidade nas estruturas internacionais sejam satisfeitas, e potências emergentes como o Brasil devem mostrar que têm vontade de contribuir ao fornecimento de bens públicos globais, como segurança global, não-proliferação, e a proteção de direitos humanos. O mundo pós-ocidental oferece grandes oportunidades para solucionar desafios globais de uma maneira mais efetiva – não apenas sob a liderança dos EUA, mas por um grupo de potências avançadas abertas e com vontade de aprender do outro.
*Oliver é professor de relações internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV).
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