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Manter separados o BRICS e o IBAS

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Por Oliver Stuenkel*

O êxito da inclusão da África do Sul no agrupamento do BRICS em 2011 foi muito mais de que a simples expansão do clube de potências emergentes por um membro a mais. De fato, marcou o momento em que o BRICS tomou posse de uma ideia concebida uma década antes pelo banqueiro de investimentos da Goldman Sachs, Jim O’Neill.

Hoje, os líderes do BRICS já não se importam mais se O’Neill acredita ou não que a África do Sul mereça fazer parte do grupo; a partir da primeira cúpula, em São Petersburgo, em 2009, esses líderes começaram a desenvolver ideias próprias sobre como se deve reformar estruturas globais e aumentar sua própria influência política. Os esforços para criar um Banco de Desenvolvimento do BRICS e uma Bolsa de Valores do BRICS, para ensejar maior cooperação entre o G20 e o FMI, bem como para desenvolver grupos de trabalho que possam compartilhar boas práticas em áreas como educação e saúde, mostram que o agrupamento do BRICS tanto se expandiu quanto se aprofundou.

Isso aponta para a questão importante da utilidade continuada do IBAS, um grupo trilateral fundado em 2003 pela Índia, pelo Brasil e pela África do Sul. Agora que todos os membros do IBAS fazem parte, também, do BRICS, porque não simplesmente fundir o IBAS com o BRICS? Apesar do apelo e da praticidade dessa ideia, constituiria um erro. Embora a visibilidade do IBAS nas relações internacionais seja muito menor de que a das cúpulas anuais do BRICS, os três membros do IBAS identificaram-se como parceiros porque têm em comum um conjunto de noções fundamentais sobre a ordem global.

Como países emergentes que ainda não estão plenamente integrados nas estruturas internacionais de hoje, todos os membros do IBAS consideram que as estruturas atuais são injustas e carecem de reforma. Embora o grau de rejeição de algumas instituições seja diferente (por exemplo, a Índia é muito mais hostil com relação ao Tratado de Não Proliferação (TNP) de que o Brasil), os três países concordam quanto à ideia de que merecem mais responsabilidade institucional, incluindo assentos permanentes no Conselho de Segurança da ONU. Nesse respeito, os três divergem claramente da China e da Rússia, que são ambos atores relativamente estabelecidos: sua posição é melhor simbolizada por seu status como membros permanentes com poder de veto no Conselho de Segurança da ONU e seu reconhecimento como potências nucleares no TNP.

Além disso, os três membros do IBAS são democracias com múltiplos partidos, e portanto podem livremente debater a maneira como devem ser implementadas reformas complicadas, porém, necessárias para impulsionar o crescimento em um contexto político desordenado e complexo. Tais assuntos não podem ser discutidos abertamente nas cúpulas do BRICS. Da mesma forma, assuntos relacionados aos direitos humanos e à sociedade civil não são mencionados quando os países do BRIC se encontram. Durante a Cúpula do IBAS em 2011, a presidente brasileira, Dilma Roussef, abordou a ‘Responsabilidade ao Proteger’ (um conceito que busca qualificar e refinar o conceito de ‘Responsabilidade de Proteger’), algo que ela não fez vários meses depois na Quarta Cúpula do BRICS, devido à oposição chinesa e russa.

O IBAS fornece um ambiente íntimo que permanece impassível a laços bilaterais por vezes tensos; afinal de contas, as relações entre a Índia, o Brasil e a África do Sul são simplesmente incipientes demais para serem impactadas por quaisquer bloqueios significativos ou conflitos de interesses. Além disso, existe potencial para uma significativa cooperação na área da segurança entre os membros do IBAS, conforme mostram os exercícios militares no Oceano Índico (IBSAMAR), os projetos de desenvolvimento e os grupos de trabalho em temas como a redução da pobreza.

Talvez o maior valor do IBAS seja que permite juntar a Índia, o Brasil e a África do Sul de uma maneira mais generalizada, permitindo que think tanks, a sociedade civil, a área acadêmica, especialistas do setor público e formuladores de política externa se engajem e desenvolvam estratégias conjuntas para problemas em comum. Visto a partir deste ângulo, o IBAS já é um êxito, tendo redirecionado a atenção de seus membros para outras potências emergentes.

Ciente do fato que o IBAS oferece uma plataforma para debater maneiras de se fomentar o crescimento no contexto de democracias, a China provavelmente promoverá a substituição do IBAS pelo BRICS. O Brasil, a Índia e a África do Sul deveriam resistir a tal tentativa, mesmo existindo uma sobreposição de debates nas Cúpulas do BRICS e o IBAS. A ausência da China é exatamente o que torna o IBAS uma plataforma interessante para o debate sobre desafios globais em um contexto diferente, e também para se falar abertamente dos desafios que não podem ser abordados nas Cúpulas do BRICS, incluindo a questão de como lidar com a ascensão da China.

O Fórum do BRICS é imensamente útil, e sinergias certamente existem entre o BRICS e o IBAS. As ideias e os conceitos desenvolvidos nas Cúpulas do IBAS devem ser incorporados às discussões nas Cúpulas do BRICS, e vice-versa. Temas como o meio ambiente, a governança global, o desenvolvimento econômico e a segurança marítima devem ser abordados tanto nas Cúpulas do IBAS quanto nas do BRICS. Mas os benefícios da manutenção do IBAS são importantes demais para serem ignorados, e formuladores de políticas em Brasília, em Déli e em Pretória devem preservá-lo à medida que se tornam definidores da pauta global.

*Oliver é professor de relações internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV) em São Paulo.

Leia também:

Does IBSA matter?

Are the BRICS institutionalizing their cooperation?

Dilma’s chance to promote RwP in the UN General Assembly

SOBRE

Oliver Stuenkel

Oliver Della Costa Stuenkel é analista político, autor, palestrante e professor na Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Ele também é pesquisador no Carnegie Endowment em Washington DC e no Instituto de Política Pública Global (GPPi) ​​em Berlim, e colunista do Estadão e da revista Americas Quarterly. Sua pesquisa concentra-se na geopolítica, nas potências emergentes, na política latino-americana e no papel do Brasil no mundo. Ele é o autor de vários livros sobre política internacional, como The BRICS and the Future of Global Order (Lexington) e Post-Western World: How emerging powers are remaking world order (Polity). Ele atualmente escreve um livro sobre a competição tecnológica entre a China e os Estados Unidos.

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