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A Cúpula de Durban e o futuro dos BRICS

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Oliver Stuenkel é professor adjunto de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo; membro não residente do Global Public Policy Institute (GPPi) em Berlim; e autor de diversas publicações. A sua área de pesquisa concentra-se em potências emergentes. Em 2012, ele fez parte da delegação brasileira nas reuniões de “track II” em Nova Delhi e Chongging na preparação para as IV e V Cúpulas dos BRICS.

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A V Cúpula dos BRICS concluiu, em Durban, o primeiro ciclo de reuniões entre os líderes dos BRICS, após as Cúpulas em Ecaterimburgo (2009), Brasília (2010), Sanya (2011) e Nova Déli (2012). A Declaração de eThekwini, resultante do encontro de 2013, dá continuidade à tendência de crescente expansão e aprofundamento da cooperação entre os BRICS. Dessa forma, a V Cúpula dos BRICS pode ser considerada exitosa.

Este artigo é dividido em três partes. A primeira analisa em detalhes a Declaração de eThekwini; a segunda examina o projeto de criação do Banco de Desenvolvimento dos BRICS; e, por fim, o artigo avalia o Arranjo Contingente de Reservas (ACR), que simboliza, em sua totalidade, um passo sem precedentes rumo à institucionalização dos laços entre os BRICS.

A DECLARAÇÃO DE ETHEKWINI

A Declaração de eThekwini, documento final da V Cúpula dos BRICS, contém um item assertivo, indicando uma possível institucionalização dos laços entre as cinco economias emergentes do grupo: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.


“Temos o objetivo de desenvolver progressivamente o BRICS em mecanismo completo de coordenação presente e de longo prazo, sobre ampla gama de questões-chave da economia e da política mundiais.” (2)

 

A declaração também atende a expectativas quanto ao anúncio de criação do Banco de Desenvolvimento dos BRICS (BDB), o que também sinaliza um passo maior em direção à institucionalização da cooperação:

“Em vista do relatório dos nossos Ministros das Finanças, estamos satisfeitos com a constatação de que o estabelecimento de um novo Banco de Desenvolvimento é factível e viável. Nós concordamos em estabelecer um Novo Banco de Desenvolvimento.” (9)

A interpretação dada ao nono parágrafo também se aplica à criação do Arranjo Contingente de Reservas (ACR) entre os países do BRICS, com um montante inicial de US$ 100 bilhões (10).

Ambas as iniciativas, no entanto, não são fortalecidas por mais informações específicas ou pelo estabelecimento de prazos no documento final da cúpula, causando, particularmente no que diz respeito ao fundo contingente, certa frustração.

A declaração, divulgada poucos meses antes da nomeação do Embaixador Roberto Azevêdo à Direção Geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), pode ser vista como uma vitória para o Brasil, ao recomendar que “o próximo Diretor-Geral da OMC deva ser um representante de um país em desenvolvimento” (16). Os países dos BRICS apoiaram em peso a candidatura do brasileiro, que concorria com um candidato do México.

A Declaração de eThekwini manifesta ainda a intenção dos cinco países do grupo de estreitar a cooperação entre suas empresas estatais. No parágrafo 18, os líderes dos BRICS assinalam:

“Reconhecemos o importante papel que as empresas estatais desempenham na economia e incentivamos nossas empresas estatais a explorar formas de cooperação, a trocar informações e melhores práticas.”

Essa declaração pode ser um indicativo da emergência de um “Consenso dos BRICS”, personificado pela busca de uma estratégia de crescimento econômico sob orientação do Estado e respaldado por bancos de desenvolvimento fortes. Ao mesmo tempo, Pequenas e Médias Empresas (PMEs) também são mencionadas (19).
O parágrafo 20 estabelece que:

“China e Rússia reiteram a importância que atribuem ao Brasil, à Índia e à África do Sul nos assuntos internacionais e apoiam sua aspiração de desempenhar papel mais proeminente nas Nações Unidas”.

Essa declaração pode parecer encorajadora, mas está aquém de um verdadeiro apoio de Rússia e China às demandas de Brasil, Índia e África do Sul por assentos permanentes no Conselho de Segurança da ONU. Essa falta de real engajamento ocorre principalmente por causa da presença do Japão no G4, e é pouco provável que essa questão seja resolvida numa Cúpula dos BRICS. Em função disso, os formuladores da política externa brasileira provavelmente acertaram ao focar em outras questões, em vez da reforma do Conselho de Segurança da ONU na gestão de Dilma Rousseff.

O parágrafo 26 estabelece um equilíbrio entre os interesses russos na Síria, em oposição à militarização do conflito, e a sociedade civil, que exortou os governos de Brasil e África do Sul, em particular, a incluir um apelo para “permitir e facilitar o acesso imediato, seguro, completo e sem restrições de organizações humanitárias a todos que necessitem de assistência”.

Trata-se de uma crítica implícita ao regime Assad, que impediu o acesso de organizações humanitárias às áreas controladas pelos rebeldes.

Finalmente, o Plano de Ação de eThekwini é bastante similar ao Plano de Ação de Nova Déli do ano passado (o qual foi em grande parte cumprido). O Plano de 2013 lista um número impressionante de encontros ministeriais durante grande parte do ano corrente. Mais notável, talvez, seja a possibilidade de criação de um “Secretariado virtual”, como indicado na seção “Novas áreas de cooperação a serem exploradas”. Analistas de políticas e acadêmicos de todos os países dos BRICS devem agora aproveitar o próximo ano para propor sugestões à última parte da declaração e enriquecer o debate com propostas – por exemplo, sobre as funções que devem ser realizadas por um Secretariado virtual dos BRICS.

O BANCO DE DESENVOLVIMENTO DOS BRICS

O aspecto mais importante da declaração foi possivelmente a criação do Banco de Desenvolvimento dos BRICS. Durante a IV Cúpula dos BRICS em Nova Déli, em 2012, os líderes de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul concordaram em avaliar a possibilidade de criar um banco de desenvolvimento conjunto. Nos doze meses que se sucederam ao encontro, um grupo de estrategistas oriundos dos Ministérios de Finanças e das Relações Exteriores desses países reuniu-se com regularidade, produzindo um relatório de viabilidade que foi apresentado um ano mais tarde, na V Cúpula dos BRICS, em Durban. Ali, os BRICS decidiram seguir adiante e começar o processo de estruturação da instituição, cujo objetivo é “mobilizar recursos para infraestrutura e projetos de desenvolvimento sustentável nos BRICS, em outras economias emergentes e em países em desenvolvimento”.

Esse desenvolvimento é extremamente significante, ao representar o primeiro passo rumo à institucionalização dos BRICS, alterando fundamentalmente suas características de grupo de consulta informal e não vinculativo. A maior parte dos detalhes sobre o banco ainda precisa ser definida, no entanto, é evidente que operar uma instituição como essa vai requerer que os BRICS concordem em uma série de regras e normas orientadoras. Esse exercício fornecerá uma oportunidade única para o desenvolvimento de novos paradigmas e, talvez, inicie uma conversação real entre os credores já estabelecidos e os poderes em ascensão sobre o futuro do desenvolvimento. O Banco dos BRICS poderia também ser um importante motor de promoção de mudanças dentro de instituições já estabelecidas, como o Banco Mundial.

Nicholas Stern, Joseph Stiglitz, Amar Bhattacharya e Mattia Romani têm promovido, ao longo dos últimos anos, uma campanha global por um banco com as características que surgem agora no BDB – e foi com base nas propostas desses publicistas que o governo indiano escolheu promover essa questão dentro da estrutura dos BRICS em 2011.

Como notam os quatro economistas em um recente op-ed:

É evidente a necessidade de um novo banco de desenvolvimento. As demandas de infraestrutura nas economias de mercado emergentes e em países de baixa renda são enormes – 1.4 bilhões de pessoas ainda não contam com abastecimento confiável de eletricidade, 900 milhões não têm acesso à água limpa e 2.6 bilhões não usufruem de infraestrutura sanitária adequada. Cerca de 2 bilhões de pessoas irão se mudar para as cidades nos próximos 25 anos. Por isso, formuladores de políticas públicas devem garantir que os investimentos sejam ambientalmente sustentáveis. Para satisfazer esses e outros desafios, os gastos com infraestrutura terão de crescer de cerca de US$ 800 bilhões para pelo menos US$ 2 trilhões ao ano nas próximas décadas ou será impossível reduzir a pobreza e promover crescimento com inclusão social no longo prazo.

Os BRICS estão estabelecendo, desde a Cúpula de Durban, em março de 2013, um comitê de implementação que conceba os detalhes que darão forma à nova instituição. As complexidades são enormes e detalhes mais substanciais têm pouca probabilidade de surgir antes de 2014, quando a VI Cúpula dos BRICS tiver início em Fortaleza. Nesse processo, a África do Sul poderá tomar para si a maior responsabilidade. Esse país tem sido afetado de forma crescente pela crise global e ainda há dúvidas em relação ao montante que esse país estará disposto a contribuir para a criação do banco. Na medida em que Brasil e Índia, em particular, insistem que cada país deva contribuir com o mesmo valor (para evitar que o Banco dos BRICS seja dominado pela China), a vulnerabilidade econômica da África do Sul cria um grande dilema: ou o banco será pequeno e democrático, ou grande e controlado pela China. Nenhuma dessas possibilidades parece animadora. A situação é particularmente preocupante porque a proposta de que o montante inicial do banco seja de US$ 50 bilhões é ainda muito modesta para causar algum impacto sistêmico. Durante conversas privadas, diplomatas indianos mostraram insatisfação em relação à proposta, porque, na verdade, seria necessário exceder esse valor em dez vezes.

Pode parecer paradoxal, então, que o presidente sul-africano Jacob Zuma tenha dito que a África é o local mais apropriado para sediar o Banco dos BRICS em razão de a região “ter a maior necessidade de um banco que responda aos desafios do mundo em desenvolvimento”. A declaração foi dada na abertura da sessão plenária do Fórum Mundial Econômico para África de 2013, intitulada “Construindo com os BRICS”.

É interessante notar que o banco poderá ser considerado um fracasso se replicar as características das maiores instituições financeiras de desenvolvimento. A retórica sobre os novos paradigmas da cooperação Sul-Sul tem gerado expectativas de que os poderes emergentes do Sul têm uma contribuição significativa a fazer no debate global sobre desenvolvimento. Considerando as grandes diferenças de modelo de desenvolvimento entre os membros dos BRICS, estão por vir debates complexos, a fim de estabelecer as regras e normas que guiarão o Banco de Desenvolvimento dos BRICS.

ARRANJO CONTINGENTE DE RESERVAS (ACR)

As discussões em torno da V Cúpula em Durban foram dominadas pela criação do Banco de Desenvolvimento dos BRICS, o que de certa forma levou outra importante decisão ao segundo plano. Os líderes dos BRICS decidiram criar um Arranjo Contingente de Reservas (ACR) de US$ 100 bilhões, para combater eventuais crises financeiras nas economias emergentes. Diferentemente do Banco de Desenvolvimento, o fundo de contingência requer menos negociações políticas e, por isso, a expectativa é de que comece a operar em breve. Os países precisam de um ano para aprovar a legislação relevante sobre o tema e estrategistas acreditam que será possível alcançar um acordo final no próximo encontro dos BRICS, em Fortaleza, no ano que vem.

O estabelecimento de uma reserva financeira é mais fácil porque não requer uma estrutura física para funcionar. O banco central de cada país vai manter as reservas do fundo como parte de suas próprias reservas. Somente em momentos de crise na economia de um dos países membros o fundo contingente começará a operar, agindo como um amortecedor ou suporte. Considerando a crescente freqüência e magnitude das crises financeiras no mundo nas décadas passadas, um novo fundo que os países possam mobilizar rapidamente em tempos de crise irá prover confiança ao investidor.

A expectativa é de que a China contribua com US$ 41 bilhões, seguido de Brasil, Rússia e Índia, com US$ 18 bilhões cada, e da África do Sul, com US$ 5 bilhões. Preocupações sobre uma eventual desigualdade na distribuição de poder nesse arranjo são desnecessárias porque, ao contrário da proposta do Banco de Desenvolvimento dos BRICS, onde os direitos de voto serão estabelecidos com base nas contribuições financeiras de cada país, o voto da China, Brasil, Índia ou Rússia será o suficiente para autorizar o desembolso dos recursos, fazendo da África do Sul o único ator que não exercerá controle total sobre o fundo.

Para alguns observadores, a criação de um arranjo contingente de US$ 100 bilhões é uma aposta que propagará as sementes de uma estrutura financeira alternativa para os países em desenvolvimento. O argumento é de que essa iniciativa poderá apresentar um desafio direto ao FMI. Após a V Cúpula, a imprensa indiana aclamou a criação do ACR como “uma grande vitória da campanha indiana para reformar a arquitetura financeira global”.

Tal interpretação é de certa forma infundada nesse momento, porque um fundo de US$ 100 bilhões é relativamente insuficiente considerando os padrões globais. Os países dos BRICS controlam quase US$ 5 trilhões das reservas internacionais e se contribuíssem com 16% delas, o fundo contingente teria um total de US$ 800 bilhões – tornando-se maior do que o FMI, que conta com recursos na ordem de US$ 780 bilhões. Evidentemente, um ACR de US$ 100 bilhões poderia ser um passo significativo para algo muito maior, o que poderia então desafiar a atual ordem financeira global.

Ao mesmo tempo, é importante notar que existem na atualidade arranjos similares ao ACR dos BRICS e que nem por isso o FMI foi colocado em risco. O fundo contingente dos BRICS é bastante parecido com a Iniciativa de Chiang Mai, assinada em maio de 2000 pelos países da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN, na sigla em inglês) e por China, Japão e Coreia do Sul. O objetivo da iniciativa é fortalecer a capacidade da região de se proteger contra os riscos da economia global. Ela pretende providenciar liquidez aos países membros que enfrentarem crises cambiais e, portanto, evitar uma situação de dependência com o FMI, criticado até os dias de hoje por ter abusado de seu poder na concessão de empréstimos de urgência durante a crise financeira asiática de 1997-98. A crise também é conhecida por “crise do FMI” na região. Após o estabelecimento de uma sede em Cingapura, em 2009, a Iniciativa de Chiang Mai foi renomeada de Multilateralização da Iniciativa de Chiang Mai (CMIM, em inglês).

No entanto, a prova definitiva de que a CMIM não representa um risco para o FMI é a regra de que um país que necessite de ajuda pode acessar somente uma pequena porção da linha de crédito de emergência sem ser forçado a negociar um acordo stand-by com o FMI. Apenas 30% da quota de um membro são acessíveis sem o programa do FMI. Para obter os 70% restantes um Estado membro deve concordar com o programa do FMI, incluindo as tão odiadas prescrições.
Nesse sentido, a Multilateralização da Iniciativa Chiang Mai está longe de contrabalançar a presente ordem liderada pelo FMI. Ainda que o ACR dos BRICS elimine explicitamente um arranjo com o FMI, ele também será concebido no atual sistema.

Recursos nunca foram desembolsados dentro da estrutura da CMIM. Quando a Coreia do Sul precisou de liquidez de emergência, no final de 2008, esse país recorreu diretamente ao Banco Central dos Estados Unidos, a fim de evitar a humilhação de ter de negociar novamente com o FMI. Da mesma forma, a Indonésia preferiu não lidar com a CMIM (e, consequentemente, com o FMI) e pediu ajuda ao Japão.

O ACR dos BRICS é, em vários sentidos, mais corajoso que o CMIM porque cria uma rede global, tornando-se potencialmente mais poderoso. Uma crise regional no Brasil, por exemplo, poderia ser facilmente resolvida por outro país do grupo BRICS, que talvez não chegasse a ser afetado, reduzindo então o risco de que a crise pudesse se globalizar.

A questão chave, como a maior parte das outras tentativas de institucionalização da Cooperação Sul-Sul, é o quanto os BRICS são capazes de estabelecer normas e regras claras – por exemplo, os desembolsos do ACR estarão atrelados a condicionalidades? Se estiverem, quais serão elas? De acordo com quais paradigmas elas serão desenvolvidas, se não seguirem uma lógica inspirada no FMI? Os BRICS serão capazes de estabelecer critérios que providenciem recursos sem replicar os tão temidos programas do FMI?

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SOBRE

Oliver Stuenkel

Oliver Della Costa Stuenkel é analista político, autor, palestrante e professor na Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Ele também é pesquisador no Carnegie Endowment em Washington DC e no Instituto de Política Pública Global (GPPi) ​​em Berlim, e colunista do Estadão e da revista Americas Quarterly. Sua pesquisa concentra-se na geopolítica, nas potências emergentes, na política latino-americana e no papel do Brasil no mundo. Ele é o autor de vários livros sobre política internacional, como The BRICS and the Future of Global Order (Lexington) e Post-Western World: How emerging powers are remaking world order (Polity). Ele atualmente escreve um livro sobre a competição tecnológica entre a China e os Estados Unidos.

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