Em 2012, 51.108 pessoas foram assassinadas no Brasil, o que representa um aumento de 7,6% com relação a 2011. Em três décadas, o número de assassinatos aumentou mais de 250% e passou de 13.910, em 1980, a mais de 50.000 em 2012. Alguns dizem que o número pode ser ainda maior e afirmam que até 15% dos assassinatos não são denunciados, especialmente nas áreas rurais do Brasil. Isso é especialmente importante porque, ao contrário do que acontece em muitos outros países violentos, o Brasil – que tem quase 200 milhões de habitantes – não tem disputas territoriais e movimentos de emancipação, nem guerras civis, religiosas, raciais ou étnicas. Os Estados Unidos, por exemplo, têm cerca de 315 milhões de habitantes e em torno de 16.000 pessoas são assassinadas todo ano, índice bastante inferior quando comparado com o brasileiro. O Brasil também tem mais homicídios do que a China, embora a população chinesa seja quase sete vezes maior do que a brasileira.
Além disso, mais pessoas são mortas aqui do que em qualquer uma das zonas de guerras mais letais do mundo. Entre 2004 e 2007, quase 200.000 pessoas foram assassinadas no Brasil, excedendo as 169.574 pessoas mortas nos doze maiores conflitos armados do mundo durante o mesmo período. Em 2006, o Iraque, que estava no ápice da insurgência, teve apenas a metade do número de homicídios que o Brasil tem todo ano.
Ao se depararem com tais estatísticas assustadoras, muitos amigos me criticam por apoiar um maior envolvimento político do Brasil em assuntos globais. Por que buscar um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU se o país sequer consegue colocar suas questões internas em ordem? Por que trocar figurinhas com as maiores potências do mundo nas Cúpulas dos BRICS quando a grande maioria das cidades permanece marcada pelo crime? Infelizmente, este argumento não é apenas formulado por brasileiros, mas também por observadores internacionais. De fato, os níveis absurdos de violência no Brasil desfavorecem muito sua credibilidade internacional e sua capacidade de se projetar como uma potência emergente com ambições globais.
Mas, a meu ver, esse tipo de crítica não leva em consideração o propósito da política externa. Embora a percepção mais comum seja a de que o diplomata trabalha com temas abstratos e de interesse limitado para o público, a verdade é que a política externa pode contribuir diretamente para a solução de problemas domésticos. Um bom exemplo disso é a violência por armas de fogo. O tráfico de armas é um problema regional na América Latina e parte das 16 milhões de armas de fogo em circulação no Brasil são contrabandeadas de países vizinhos, embora a maioria seja produzida em território brasileiro. O trabalho conjunto com os governos do Paraguai, da Bolívia, da Colômbia, da Venezuela e de países da América Central é crucial para estabelecer um mecanismo mais potente para combater o tráfico ilegal de armas e para aumentar a segurança das fronteiras. A maioria dos dez países mais violentos do mundo está na América Latina, então a liderança intelectual brasileira nessa área também fortaleceria as ambições brasileiras de liderança regional. O agrupamento trilateral IBAS, que inclui a e a África do Sul – outra vítima de altos níveis de criminalidade – poderia servir de plataforma para discutir maneiras de lidar com o problema.
Há muitos outros exemplos, que vão de mudanças climáticas a Estados falidos e instabilidade financeira, e que mostram como problemas nacionais não podem ser enfrentados apenas com soluções nacionais: a política externa deve desempenhar o seu papel.
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Photo credit: YASUYOSHI CHIBA / AFP