Book reviews Brazil Portuguese

Resenha de livro: “Breves narrativas diplomáticas” por Celso Amorim

 Breves Narrativas Diplomaticas 1a Edicao Celso Amorim 0258
 

Poucos diplomatas influenciaram mais a política externa do Brasil ao longo das últimas duas décadas do que Celso Amorim. Após servir como Ministro das Relações Exteriores sob o Presidente Itamar Franco, de 1993 a 1995, Amorim voltou a chefiar o Itamaraty de 2003 a 2010, e tornou-se um dos conselheiros de maior confiança do Presidente Lula. Juntamente com o presidente, virou um símbolo da reaproximação do Brasil com o Sul Global.

Durante muito tempo, essa estratégia foi taxada de ideológica, uma tentativa mal bolada de distanciar o Brasil dos Estados Unidos, ainda que tenha ajudado a gerar estruturas como o IBAS e o BRICS, e feito do Brasil um jogador chave na África. Ironicamente, o Brasil teria seguido esse caminho com ou sem Lula, naquela conjuntura, já que José Serra, que perdeu as eleições presidenciais para Lula em 2002, também pensava escolher Amorim como Ministro das Relações Exteriores. De fato, como esse livro torna claro, Amorim nunca teve contato pessoal com Lula, e os dois só iniciaram seu relacionamento após a vitória de Lula nas eleições.

Após Conversas com jovens diplomatas, publicado em 2011, Breves narrativas diplomáticas é o segundo livro escrito por Amorim desde que deixou o Ministério das Relações Exteriores, e representa uma tentativa de entender os importantes momentos pelos quais passou o Brasil durante os primeiros anos da presidência de Lula, especialmente no período de 2002 a 2004.

Em retrospectiva, Amorim pode ser visto por historiadores como um dos melhores diplomatas de seu tempo. Ele serviu como Ministro das Relações Exteriores durante uma década que parece ter sido feita sob medida para o Brasil: as altas taxas de crescimento econômico no plano doméstico, mesmo com a Europa e os Estados Unidos em recessão, permitiram ao Brasil ganhar visibilidade sem precedentes. A intervenção militar americana no Iraque, que foi mal concebida e custosa, afetou severamente a legitimidade dos Estados Unidos, e a invenção da marca BRICS por parte de Jim O’Neill agregou à ideia de que o mundo estava rapidamente progredindo para um sistema pós-ocidental multipolar. O Brasil reconheceu e aproveitou essa oportunidade histórica com maestria. Em consequência, o maior país da América Latina é amplamente aceito, hoje, como uma potência emergente, posicionada para moldar a conversa global no século 21.

A resposta não é sempre positiva, tanto no plano doméstico quanto no exterior. A Foreign Affairs, uma das mais importantes revistas de relações internacionais do mundo, escreveu que o Brasil era um “stakeholder irresponsável”, e a Foreign Policy, outra revista de política externa, arguiu que as políticas brasileiras tornariam o mundo mais “corrupto, caótico e autoritário”. O Global Governance, um importante jornal acadêmico, retratou o Brasil como “a mais revisionista de todas as potências emergentes … um desmancha-prazeres emergente”.

Apesar de todas as críticas, o ativismo de Amorim sob Lula deixou um legado poderoso. Embora a estratégia internacional de Dilma Rousseff tenha sido mais tímida, o Brasil dificilmente voltará para as margens do cenário internacional, onde estava firmemente localizado no final da década de 90.

Um exemplo mais recente torna isso claro. Um ano depois da saída de Amorim do Itamaraty, o Brasil publicou uma nota conceitual sobre a ‘Responsabilidade ao Proteger’ (RwP, na sigla em inglês). A RwP simbolizava a própria estratégia que o Brasil pretendia seguir: tornar-se um estado que constrói pontes, serve como mediador e busca o consenso através da liderança cuidadosa. Apesar de seus defeitos, a RwP foi uma proposta inovadora e construtiva para superar as diferenças entre a OTAN, exageradamente belicosa, e a Rússia e a China, excessivamente resistentes. Os acadêmicos brasileiros e estrangeiros aplaudiram a iniciativa brasileira. Acima de tudo, a iniciativa vislumbrava o que o Brasil era capaz de representar em escala global. Apesar do hard power limitado do país, exerceu temporariamente a liderança internacional em um debate que provavelmente moldará as relações internacionais nas próximas décadas. É irônico que a postura de Amorim quanto à Responsabilidade de Proteger (R2P, na sigla em inglês) tenha sido marcada por um certo ceticismo em reação ao que ele percebia como sendo uma nova embalagem para o polêmico ‘droit d’ingérence’. Mas a liderança internacional do Brasil no debate sobre intervenção humanitária se deu, em grande parte, por causa da promoção incessante de Amorim do Brasil como um ator internacional durante a primeira década do século.

O livro seria muito útil para leitores fora do Brasil, porque oferece uma impressão vívida de como o país, que hoje frequentemente critica a ordem global atual, percebia e se envolvia nos grandes debates daquele momento: a Guerra do Iraque, em 2003, as negociações sobre a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), a OMC e a crise de 2002 na Venezuela. A descrição dessa crise oferece uma percepção fascinante do papel emergente do Brasil como um mediador regional, que só se tem consolidado desde então.

Como é de se esperar, o livro é repleto de detalhes (por vezes cômicos) sobre a diplomacia brasileira. Por exemplo, Amorim detestava as reuniões nas Embaixadas dos Estados Unidos, porque o café era péssimo, o que levou a missão americana em Genebra a comprar uma máquina de espresso. A descrição de Amorim da criação do IBAS, um agrupamento trilateral composto por Brasil, Índia e a África do Sul, inclui várias ponderações sérias sobre o relacionamento especial entre democracias, que distingue o IBAS dos BRICS. As considerações do autor sobre formuladores de políticas da Índia e seu estilo de negociação são notáveis e extraordinariamente sinceras. Por exemplo, Amorim descreve a “inteligência demoníaca” de Kamal Nath, o atual Ministro de Desenvolvimento Urbano da Índia, que ele geralmente empregava, segundo o autor, para “criar confusão”, até nas questões mais simples. Isso não muda o balanço que Amorim faz da Índia e de sua importância como parceiro para o Brasil no futuro. Especialmente quando escreve sobre a criação do IBAS e dos BRICS, o autor poderia dar mais detalhes, já que tão pouco foi escrito sobre o assunto. Devido ao fato que o autor permanece ativo na política (ele é o atual Ministro da Defesa), é de se compreender que o livro evite a autocrítica exacerbada. Mesmo assim, tanto quanto o seu livro anterior, é uma leitura muito interessante para aqueles que buscam entender a política externa brasileira durante os primeiros dias do mandato de Lula. A publicação em inglês seria um passo importante para tornar o debate doméstico sobre a política externa do Brasil mais acessível ao resto do mundo.

Leia também: 

Cinquenta mil homicídios

Resenha de livro: “Pax Indica” por Shashi Tharoor (Política Externa)

O Itamaraty pode engajar a sociedade civil?

SOBRE

Oliver Stuenkel

Oliver Della Costa Stuenkel é analista político, autor, palestrante e professor na Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Ele também é pesquisador no Carnegie Endowment em Washington DC e no Instituto de Política Pública Global (GPPi) ​​em Berlim, e colunista do Estadão e da revista Americas Quarterly. Sua pesquisa concentra-se na geopolítica, nas potências emergentes, na política latino-americana e no papel do Brasil no mundo. Ele é o autor de vários livros sobre política internacional, como The BRICS and the Future of Global Order (Lexington) e Post-Western World: How emerging powers are remaking world order (Polity). Ele atualmente escreve um livro sobre a competição tecnológica entre a China e os Estados Unidos.

LIVRO: O MUNDO PÓS-OCIDENTAL

O Mundo Pós-Ocidental
Agora disponível na Amazon e na Zahar.

COLUNAS