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A política externa de Marina

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Com uma liderança expressiva nas mais recentes pesquisas de opinião a onze meses das eleições presidencias de 2014, Dilma Rousseff está prestes a tornar-se a terceira presidente consecutiva a assumir um segundo mandato. Apesar dos diversos problemas no governo, nem o PSDB de Aécio Neves nem o PSB de Eduardo Campos e Marina Silva parecem, até o momento, conseguir articular uma narrativa convincente para uma mudança. Nenhuma das principais figuras da oposição foi capaz de aproveitar substancialmente os protestos em massa que sacudiram o Brasil em meados de 2013.

Mesmo com um resultado relativamente certo, as eleições nacionais são um elemento importante do processo democrático, já que oferecem a oportunidade de discutir e rever as políticas públicas em vigência. Até mesmo um candidato derrotado pode influenciar a estratégia do governo, caso a sua posição obtenha apoio durante a campanha.

Ao que tudo indica, questões domésticas dominarão o debate presidencial no próximo ano. No entanto, a campanha presidencial também deve incluir discussões em torno das propostas de cada candidato frente aos interesses brasileiros no exterior. Em comparação a 2002, quando Lula foi eleito, a atuação internacional do Brasil hoje é mais expressiva: há tropas brasileiras no Haiti, o Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) empresta dinheiro a nível internacional e o Brasil ampliou o número de embaixadas na África. Também participou da criação dos BRICS e da UNASUL.

Certas perguntas exigem reflexão. Por exemplo: quais são as reais conquistas obtidas com o crescente foco brasileiro no continente africano ao longo da última década? Integrar os BRICS aumentou a influência global do Brasil? Como convencer os vizinhos de que a ascensão brasileira tem consequências positivas para eles também? Qual é a visão de longo prazo do Brasil para o continente? Qual é o papel da ajuda brasileira ao desenvolvimento, da UNASUL e do Mercosul nesta visão regional? Como o Brasil pode promover uma maior estabilidade política e econômica na América Latina? E como o país deveria lidar com a potencial instabilidade na Venezuela, além da violação de direitos humanos em Cuba?

Em teoria, todos os candidatos deveriam ser capazes de criticar a política externa do governo Dilma Rousseff. Comparada a FHC e Lula, os quais deixaram suas marcas na atuação internacional do Brasil, a política externa do governo atual acabou por ser surpreendentemente apática. Enquanto os ministros de Relações Exteriores dos governos anteriores tiveram destaque, o Itamaraty foi menosprezado e o Ex-ministro Patriota teve pouco espaço para tomar iniciativas. Os discursos de Dilma na Assembleia Geral da ONU, ocasião de grande oportunidade para articular a perspectiva brasileira, não suscitaram entusiasmo.

Nem Aécio Neves nem Eduardo Campos possuem experiência internacional relevante ou nome reconhecido no exterior. Marina Silva, por outro lado, pode usar sua maior projeção a seu favor. Marina, ex-ministra do Meio Ambiente no governo de Lula, é uma ambientalista de renome mundial, com capacidade de influenciar o debate global sobre o desenvolvimento sustentável.

Ainda em preparação para as eleições do ano que vem – na qual ela, após ter aderido ao PSB, pode lançar-se como vice-presidente de Campos – a candidata ainda não desenvolveu uma visão detalhada sobre o papel do Brasil no mundo. Ela tem frequentemente argumentado que sua política externa seria guiada pelos princípios da democracia e dos direitos humanos. Vários de seus posicionamentos ao longo dos últimos anos garantem este argumento. Em 2010, Marina criticou abertamente a efusiva recepção do presidente Lula a Mahmud Ahmadinejad, apontando para violações de direitos humanos no Irã. Ela também disse que a recusa do Brasil em assinar o Protocolo Adicional do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP) afetou negativamente sua imagem internacional. Ainda que apoie um maior engajamento do Brasil na África, Marina é crítica ao crescente envolvimento do Brasil em zonas de conflito internacionais, como no Oriente Médio, e aprova um maior enfoque na liderança regional.

Como deveria ser o projeto de liderança regional do Brasil? Marina tem manifestado sua inquietação em relação aos estreitos laços do Brasil com Cuba e, em menor grau, com a Venezuela. Ela alega que o Brasil deve defender a democracia e os direitos humanos de forma mais ativa na região, desempenhando um papel de liderança na mediação de conflitos. Além disso, deve apoiar abertamente a convocação de eleições livres em Cuba e a libertação dos presos políticos. Para ela, deve-se promover a integração de Havana, o que implica em pressionar os Estados Unidos a encerrar o embargo econômico. Os críticos dessa abordagem argumentarão que denunciar abertamente Cuba e Venezuela pode ser irrelevante para convencer os governos de Caracas e Havana a mudarem seus caminhos, e que uma abordagem mais dura poderia complicar a estratégia regional do Brasil, além de afetar seus interesses econômicos.

Independentemente de posicionar-se favorável ou não às propostas, discutir abertamente estas questões relevantes – como, por exemplo, em um debate televisionado em que todos os candidatos dediquem um tempo para tratar dos interesses externos do Brasil – poderia contribuir significativamente para a democratização da política externa.

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Foto: Evelson de Freitas/AE

SOBRE

Oliver Stuenkel

Oliver Della Costa Stuenkel é analista político, autor, palestrante e professor na Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Ele também é pesquisador no Carnegie Endowment em Washington DC e no Instituto de Política Pública Global (GPPi) ​​em Berlim, e colunista do Estadão e da revista Americas Quarterly. Sua pesquisa concentra-se na geopolítica, nas potências emergentes, na política latino-americana e no papel do Brasil no mundo. Ele é o autor de vários livros sobre política internacional, como The BRICS and the Future of Global Order (Lexington) e Post-Western World: How emerging powers are remaking world order (Polity). Ele atualmente escreve um livro sobre a competição tecnológica entre a China e os Estados Unidos.

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