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O fim do mundo emergente?

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Após anos de crescimento expressivo, os BRICS enfrentam graves problemas econômicos. Não se passa uma única semana sem que haja más notícias dos mercados emergentes do Sul Global. A economia chinesa cresce em seu nível mais baixo em anos, enquanto Brasil, Índia e África do Sul mal alcançam o ritmo da economia americana.

Os efeitos políticos deste desenvolvimento são palpáveis em escala global. O decepcionante crescimento do mundo emergente reduziu a pressão sobre os Estados Unidos e a Europa para reformar as instituições internacionais e aumentar a representação de países como Brasil e Índia. O Congresso dos EUA ainda não ratificou a histórica reforma de cotas do FMI de 2010. Um número crescente de formuladores de política e comentaristas nos Estados Unidos e na Europa se sentem como se eles finalmente tivessem acordado de um pesadelo de uma década. Agora, felizmente, as coisas parecem voltar ao normal. Até então acessíveis, os recursos do Federal Reserve Bank, estão prestes a serem cortados, e a China se concentrará cada vez mais em ampliar seu consumo doméstico. Como consequência, os BRICS sofrerão, uma vez que a “ascensão dos demais” provou ser insustentável. Nesse contexto, as instituições-chave mundiais podem manter seu formato norte-cêntrico.
Tal retórica caracteriza a ascensão do Sul Global como um fenômeno essencialmente dependente do fácil dinheiro do ocidente e das importações chinesas, assim como as potências emergentes como atores incapazes que tropeçaram em uma inesperada e imerecida década de crescimento.

No entanto, o baixo crescimento econômico no Sul Global não deve minimizar os avanços históricos que as potências emergentes alcançaram, especialmente na última década, a qual visualizou um grau sem precedentes de emancipação do Sul Global, incluindo o continente africano. O fraco crescimento no mundo emergente não altera as previsões de longo prazo de que a China ultrapassará a economia americana. Apesar dos problemas atuais, a Índia está prestes a se tornar um dos principais pilares da economia mundial no curso deste século. Portanto, a economia mundial não voltará à distribuição de poder do final do século 20.
Como Zachary Karabell argumenta,

O sentimento pode ter se alterado dramaticamente, mas há uma diferença substancial entre a situação atual e um colapso estrutural (…). Sim, as economias mundiais emergentes estão vendo a desaceleração do crescimento relacionada às elevadas taxas dos últimos anos e, sim, a mudança para a atividade econômica impulsionada pela demanda doméstica não é fácil. Mas isso não é o mesmo que reescrever o roteiro da última década e transformar as conquistas de muitos desses países em uma miragem.

Quando chega a hora de escrever a história dos primeiros anos do século 21, a narrativa global não será apenas a luta dos Estados Unidos para ajustar um mundo de poder difuso, ou a ascensão da China e o declínio da Europa. Será o modo como partes substanciais do planeta emergiram da pobreza agrária no decorrer dos estágios iniciais de abundância urbana. Será a forma de como a Internet e a revolução móvel ancorada pela ascensão da China começou a reformular as vastas regiões da África subsaariana; como a classe média da Índia começou a redefinir esse país e como milhões de pessoas na América Latina se desprenderam de décadas de incompetência autoritária e começaram a florescer. Nunca na história da humanidade mais pessoas se tornaram mais ricas tão rapidamente como nos anos iniciais do século 21.

Consequentemente , a lógica fundamental da necessidade de reformar as estruturas de governança global permanece sólida. Para os formuladores de políticas na Europa e nos Estados Unidos, envolver potências emergentes é a única maneira de assegurar que as instituições internacionais permaneçam funcionais uma vez que os poderes tradicionais já não estão mais no controle. O difícil processo de adaptação a uma nova realidade está apenas começando. Nos próximos anos e décadas, reformas ainda mais extensas – no Banco Mundial, no FMI e no Conselho de Segurança das Nações Unidas – terão de ser implementadas se essas instituições quiserem manter a sua legitimidade no século 21.

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Foto credit: Eadaoin O’Sullivan/flickr

SOBRE

Oliver Stuenkel

Oliver Della Costa Stuenkel é analista político, autor, palestrante e professor na Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Ele também é pesquisador no Carnegie Endowment em Washington DC e no Instituto de Política Pública Global (GPPi) ​​em Berlim, e colunista do Estadão e da revista Americas Quarterly. Sua pesquisa concentra-se na geopolítica, nas potências emergentes, na política latino-americana e no papel do Brasil no mundo. Ele é o autor de vários livros sobre política internacional, como The BRICS and the Future of Global Order (Lexington) e Post-Western World: How emerging powers are remaking world order (Polity). Ele atualmente escreve um livro sobre a competição tecnológica entre a China e os Estados Unidos.

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