Em mais um sinal inequívoco de que a presidente Dilma Roussef pretende diminuir o envolvimento brasileiro em assuntos internacionais, o Ministro das Relações Exteriores (MRE) anunciou a redução drástica de vagas no concurso de admissão à carreira de diplomata deste ano, revertendo efetivamente a estratégia de expansão internacional de Lula. Em 2014, apenas 18 candidatos serão selecionados para atuar no Itamaraty, o número mais baixo em mais de duas décadas. Durante o segundo mandato de Lula, 100 candidatos foram selecionados por ano.
O tamanho do serviço diplomático é um fator muitas vezes negligenciado quando se analisa a capacidade de um país de se engajar internacionalmente. No entanto, possui grande importância. Estratégicas inteligentes desenvolvidas no MRE podem não alcançar o impacto desejado se não houver um corpo diplomático suficiente para implementar uma nova política. Negociações bilaterais complexas correm o risco de serem negativamente afetadas se o negociador de um dos lados não tiver sido apropriadamente informado por conta de um corpo diplomático insuficiente e pela falta de conhecimento básico acerca das dificuldades domésticas que o outro lado enfrenta.
Parece cada vez mais provável que a presidente Rousseff desmantelará a estratégia internacional de seu antecessor, que transformou o Brasil em um ator de visibilidade sem precedentes. Enquanto Lula envolveu-se em assuntos relacionados ao Oriente Médio, Dilma optou por não assumir liderança no Irã ou na Síria. Enquanto Lula abriu inúmeras embaixadas no continente africano, há rumores de que Dilma esteja considerando fechar várias delas – um ato que enviaria um sinal desastroso para a comunidade global. Para se ter um exemplo, o último país a fechar embaixadas na África foi a Rússia após o colapso da União Soviética. Um dos efeitos imediatos da nova política externa brasileira é o de que a Embaixada do Brasil em Cabul, idealizada por Lula e que teria sido a 140ª embaixada brasileira, não se concretizou. Como consequência, o Brasil depende de relatos de outros países e não pode participar com seriedade da discussão sobre o futuro do Afeganistão.
Ao reduzir a sua rede diplomática, o Brasil corre o risco de ser cortado de debates cruciais sobre questões internacionais importantes, e seu apelo pela reforma das instituições internacionais não gerará impacto. O debate global atual está fora de equilíbrio e não se pode mais solucionar desafios globais contando apenas com a sabedoria de alguns países. Os fracassos em lidar com questões tais como mudança climática, volatilidade financeira e violações de direitos humanos nas últimas décadas são indicadores claros de que novos atores devem contribuir para encontrar soluções significativas.
A longo prazo, a reversão feita por Dilma será um empecilho para os esforços de seus sucessores em convencer outros países a levar o engajamento global brasileiro a sério. Observadores inevitavelmente indagarão se as ambições de maior participação do país são um modismo que pode ser desconsiderado por um(a) presidente que pouco aprecie os assuntos internacionais.
A decisão da presidente também surtirá efeito no futuro do debate nacional acerca das relações internacionais. As ações controversas de Lula no campo da política externa – mais notavelmente o seu engajamento no Oriente Médio e a chamada diplomacia Sul-Sul – provocaram fortes reações domésticas. Cidadãos até então desengajados passaram a se interessar por política externa. As declarações de Lula durante suas viagens internacionais viraram manchete. O Brasil presenciou uma proliferação histórica de cursos de Relações Internacionais nas universidades de todo o país. No seu auge, mais de 100 universidades ofereceram curso de graduação em Relações Internacionais. Embora apenas uma pequena parte dos graduados ingressaram no serviço diplomático, aprofundam-se preocupações com a sustentabilidade desses programas.
É em momentos como esse que a sociedade civil – mídia, universidades, think tanks e empresas – não deve seguir a tendência atual do governo de voltar-se para dentro. Mesmo com a falta de participação brasileira, a mídia nacional deveria ter coberto a Conferência de Segurança de Munique, ocorrida em janeiro deste ano. Ainda que o Brasil não tenha se envolvido em larga escala na crise síria, acadêmicos, jornalistas e organizações não governamentais devem engajar-se a fim de assegurar a exposição pública dessa questão.
Enquanto se argumenta que a política externa ativista de Lula era insustentável, o mesmo precisa ser dito para uma política externa pouco ativa. Considerando sua importância econômica e seu papel estratégico como democracia no Sul Global, a atual atuação política retraída do Brasil em assuntos globais é uma anomalia. Tenhamos paciência, pois a atual retração brasileira provará ser insustentável.
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Foto: Folhapress