Como observadores de política externa muitas vezes apontam, o Brasil é abençoado. Ao contrário de outras potências emergentes como a China ou a Índia, o país está localizado em uma região que raramente vivencia tensões ou conflitos armados entre Estados. Enquanto a Índia é o maior importador de armas do mundo, o Brasil vive com um orçamento relativamente pequeno na área de defesa. O país também pode dedicar tempo e energia para estender seu alcance diplomático global sem ter de lidar constantemente com problemas na sua vizinhança.
Pouco indica que isso vai mudar no futuro próximo. O Brasil geralmente se envolve quando a estabilidade política de um país vizinho está em risco, como em 1996 e em 2012 no Paraguai, em 2002 na Venezuela e em 2009 em Honduras. Além de proteger seus interesses econômicos, o governo brasileiro tem procurado manter a região livre de tensões e crises, geralmente por intermédio de instituições regionais, como o Mercosul e a Unasul, a fim de evitar interferências por parte dos Estados Unidos ou de qualquer outro ator de fora. Ao longo da última década, a defesa da estabilidade política na região transformou-se em um dos principais objetivos da política externa brasileira .
Ainda que os problemas recentes sejam, em geral, de natureza doméstica , como o impeachment de um presidente no Paraguai e os protestos na Venezuela, uma nova crise poderia dar dores de cabeça para os formuladores da política externa brasileira, devido à sua natureza internacional. Embora a disputa territorial entre Argentina e Reino Unido não seja nova, as descobertas significativas de petróleo em torno das Ilhas Malvinas/Falkland (um território ultramarino pertencente ao Reino Unido e reivindicado pela Argentina) podem piorar significativamente o antagonismo existente entre os dois países envolvidos.
Como apontado pela The Economist, o chefe da recém-criada “Secretaria das Malvinas” da Argentina anunciou recentemente que as empresas de petróleo que operam perto das ilhas são inelegíveis para explorar óleo de xisto e gás na Patagônia. No ano passado, o congresso argentino aprovou uma lei que impõe penas de prisão de até 15 anos e multas de até US$ 1,5 bilhão a qualquer pessoa envolvida na exploração das ilhas sem permissão.
Enquanto isso, a nomeação de um novo governador das ilhas feita pelo governo britânico fez com que a embaixadora da Argentina para o Reino Unido, Alicia Castro, escrevesse um artigo de opinião no The Guardian acusando Londres de violar o direito internacional neste “processo pendente de descolonização.” Ela argumenta que o Reino Unido, que se recusa a resolver a disputa, pretende justificar a contínua ocupação das ilhas invocando o direito à auto-determinação para os atuais habitantes britânicos. No entanto, segundo ela, o direito de auto- determinação dos povos não é aplicável a qualquer ou toda comunidade humana, somente aos”povos.” No caso dos habitantes das Malvinas , não temos um “povo” separado, muito menos um povo sujeito ao colonialismo. “Os residentes britânicos das ilhas não possuem o direito de resolver a disputa de soberania entre a Argentina e o Reino Unido: ninguém duvida que eles são britânicos, e podem continuar a sê-lo, mas o território em que vivem não é. Pertence à Argentina.”
Em resposta, o presidente da Assembleia Legislativa das Ilhas, Mike Summers, argumentou que a posição dos habitantes era “totalmente de acordo com o direito universal à autodeterminação definido na Carta das Nações Unidas.”
O tema é recorrente não só na Argentina, mas também no Reino Unido. No final de fevereiro, a mídia britânica alertou sobre os aumentos no orçamento de defesa da Argentina e citou o almirante Lord West, que estava no comando do HMS Ardent no momento em que este afundou na guerra de 1982, dizendo: “Qualquer grande aumento das despesas de defesa da Argentina deve ser visto com preocupação.
Preocupa-me que, sem porta-aviões, seremos incapazes de recuperar as Malvinas (no caso de uma nova ocupação argentina).” O almirante disse ainda que os porta-aviões da Grã-Bretanha não seriam capazes de operar até 2020 e, até então, a Argentina teria uma” janela de oportunidade.”
Em agosto de 2013, Cristina Kirchner aproveitou-se do mandato da Argentina como presidente temporário do Conselho de Segurança da ONU para colocar o tema em pauta. A América do Sul mantém-se firmemente a favor da Argentina, assim como a maioria dos demais países em desenvolvimento. Como foi reportado pela The Economist, ao abordar a reunião:
“…vários participantes apoiaram as preocupações da Presidente Fernández. Em nome do Ministro das Relações Exteriores de Cuba na CELAC foi reconhecida como legítima a reivindicação da Argentina no que tange à sua soberania sobre as Malvinas (…). A Venezuela lamentou a “situação colonial” das ilhas. E o seu homólogo uruguaio promoveu uma “zona de paz do Atlântico Sul”, denunciando o que ele chamou de “atividades ilegítimas de exploração de petróleo” em águas próximas das Malvinas.
A Grã-Bretanha, por outro lado, frequentemente aponta para o último referendo realizado em março de 2013, no qual mais de 99% dos habitantes das ilhas expressaram seu desejo de manter o seu estatuto político atual:
Quando o resultado foi anunciado em Stanley, a capital, local onde havia inúmeras bandeiras britânicas, multidões cantaram (…) “Rule Britannia”.
Para os formuladores de política externa da Argentina, as ilhas em disputa têm sido uma questão fundamental. Para o Brasil, o tema não parece ser, à primeira vista, de muita importância. Na recente visita do ministro das Relações Exteriores da Grã-Bretanha ao Brasil, a questão não estava na pauta. No entanto, descobertas de petróleo perto das ilhas aumentariam dramaticamente a importância econômica das Malvinas, ao mesmo tempo em que dificultaria o alcance de uma solução. Diante da dura retórica Argentina, o Reino Unido poderia aumentar sua presença militar, que atualmente é de 1.300 soldados apoiados por quatro jatos Typhoon, complicando a estratégia marítima do Brasil no Atlântico sul. Se a Argentina impuser um bloqueio econômico em grande escala nas ilhas (atualmente, o país apenas pede para que outros países não tenham relações comerciais com as ilhas, mas não as proíbe) a tensão certamente aumentará ainda mais. Com certeza, faz parte do interesse brasileiro evitar tal cenário.
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