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Recuo ou normalização na política externa brasileira? (Folha de São Paulo)

Folha de So Paulo

http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2014/04/1441871-oliver-stuenkel-recuo-ou-normalizacao-na-politica-externa-brasileira.shtml

Agradeço ao professor Dawisson Belém Lopes por sua resposta (“Recuo estratégico ou normalização da curva?“, 17/3) ao meu artigo na Folha (“O risco do recuo estratégico brasileiro“, 10/3), no qual defendo que o recuo diplomático do Brasil nos últimos anos prejudica o interesse nacional e reduz a capacidade da comunidade internacional de lidar com desafios globais.

Meu argumento foi pautado em dois pontos. Primeiro, afirmei que uma política externa ativa não é incompatível com a priorização de problemas internos. Pelo contrário, é uma ferramenta necessária ao enfrentamento desses desafios. Em segundo lugar, sustentei que não podemos mais nos dar ao luxo de viver em um mundo no qual apenas algumas potências estabelecidas têm redes diplomáticas globais que lhes proporcionam acesso a informações privilegiadas, permitindo que elas dominem o debate sobre questões-chave, tais como o terrorismo, a intervenção humanitária e a proliferação nuclear.

Em sua resposta, Belém Lopes argumenta que os diplomatas estão sendo gradualmente substituídos por novos atores, como ONGs, igrejas e empresas privadas. Ele também aponta para uma tendência de presidencialização da política externa brasileira, além de um crescente número de ministérios que se engajam diretamente com parceiros internacionais, reduzindo inevitavelmente a importância do Ministério de Relações Exteriores.

Concordo que os diplomatas estão longe de serem os únicos atores na formulação da política externa de um país. No entanto, um Ministério das Relações Exteriores forte continua sendo indispensável para qualquer país que pretende ter uma participação ampla nas discussões sobre os principais assuntos globais.

Consideremos os exemplos da China e do Afeganistão. Sem uma embaixada possante, ágil e bem conectada em Pequim, as empresas brasileiras não seriam capazes de prosperar no país. Sem uma embaixada em Cabul, o Brasil permanece um ator secundário durante os debates da ONU sobre o futuro do Afeganistão. Isso prejudica a legitimidade da campanha brasileira em prol da reforma das instituições internacionais, como o Conselho de Segurança das Nações Unidas.

É importante a constatação de Belém Lopes de que a presidente Dilma, embora tenha viajado com menos frequência do que seu antecessor, fez mais viagens internacionais do que Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). O autor sugere que a política externa expansiva de Lula (2003-2010) é que representa um ponto fora da curva, enquanto a de Dilma nada faz além de trazê-la para sua inclinação normal.

O autor não comenta o meu argumento de que a retirada do Brasil é prejudicial para o interesse do país. Em vez disso, sugere que nem sequer houve recuo, mas apenas uma medida amenizadora a fim de compensar a expansão de Lula.

Há algo de verdadeiro nessa afirmação, e até partidários da política externa de Lula reconhecem que seu ativismo e expansão não poderiam durar para sempre. Ainda assim, discordo que a política externa brasileira possa voltar ao normal sem riscos, simplesmente porque o Brasil dos anos pré-Lula não existe mais.

O Brasil de hoje lidera as tropas de paz no Haiti, patrocinou uma rede de novas instituições regionais e tem interesses econômicos e humanitários em larga escala na África. Os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e o G-20 (grupo das 20 maiores potências do mundo), dos quais fazemos parte, transformaram-se em pilares do sistema internacional. O Brasil é a sétima economia do mundo e seu parceiro comercial mais importante -a China– está localizado em uma região sobre a qual sabemos pouco. As responsabilidades internacionais do Brasil são maiores hoje do que em qualquer outro momento da história.

A ordem global já não é a mesma do final dos anos 1990. Há um consenso de que o G7, grupo dos países mais ricos do mundo, é incapaz de resolver os desafios globais sozinho. As tentativas fracassadas de solucionar questões como mudanças climáticas, volatilidade financeira e violações dos direitos humanos são indicadores de que países como China, Índia e Brasil devem contribuir para encontrar soluções.

A redução da presença diplomática, a limitação excessiva do chanceler e a decisão de ficar longe de importantes encontros globais de segurança podem ser vistos por alguns como uma normalização da curva. Contudo, essa estratégia é mais arriscada do que seu nome sugere. Considerando o quanto o Brasil e o mundo mudaram desde o início do século 21, “recuo” é um termo mais adequado para descrever a atual estratégia da política externa brasileira.

OLIVER STUENKEL, 32, é professor de relações internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV) em São Paulo

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SOBRE

Oliver Stuenkel

Oliver Della Costa Stuenkel é analista político, autor, palestrante e professor na Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Ele também é pesquisador no Carnegie Endowment em Washington DC e no Instituto de Política Pública Global (GPPi) ​​em Berlim, e colunista do Estadão e da revista Americas Quarterly. Sua pesquisa concentra-se na geopolítica, nas potências emergentes, na política latino-americana e no papel do Brasil no mundo. Ele é o autor de vários livros sobre política internacional, como The BRICS and the Future of Global Order (Lexington) e Post-Western World: How emerging powers are remaking world order (Polity). Ele atualmente escreve um livro sobre a competição tecnológica entre a China e os Estados Unidos.

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