Africa Featured Portuguese

A Década da África?

nairobi
  

A África tem sido tradicionalmente associada com o sofrimento humano em grande escala. No entanto, a última década presenciou um crescimento sem precedentes, transformando o continente em uma das últimas fronteiras econômicas atraentes do mundo. Durante os últimos dez anos, 6 das 10 economias que mais cresceram estão na África. O rendimento real aumentou em 30% durante esse período. Nenhuma empresa global de hoje pode deixar de estar presente no mercado africano. O investimento estrangeiro direto passou de US$ 15 bilhões em 2002 para US$ 37 bilhões em 2006 e US$ 46 bilhões em 2012.

Alguns dados impressionantes mostram isso. Hoje, quase 70% dos africanos – em torno de 650 milhões – possuem um celular ou smartphone. Há, assim, mais usuários de telefonia móvel na África do que na América do Norte. A África possui 40% das matérias-primas do mundo e 60% das suas terras aráveis não cultivadas. Nenhum outro continente se desenvolveu tão rapidamente na última década como a África, onde o crescimento econômico real foi entre 5% e 10 % ao ano. Quando a Guerra Fria terminou, apenas três das 53 nações africanas eram democracias funcionais. Hoje, esse número é de 25 de 54. 60 milhões de africanos têm uma renda de US$ 3.000 por ano, e serão 100 milhões em 2015. Mais de 300 milhões de africanos são agora parte da classe média, aproximadamente a quantidade da população dos Estados Unidos. A demografia também é favorável: com as taxas de fertilidade decrescentes na Ásia e na América Latina, 50% do aumento da população mundial nos próximos 40 anos será na África. Dentro de 30 anos, a população em idade de trabalho do continente será maior do que um bilhão de pessoas, proporcionando às empresas uma força de trabalho maior do que até mesmo a China ou a Índia. Mesmo que atualmente nem metade dos países da África possuam o que o Banco Mundial chama de “renda média” (definida como pelo menos US$ 1.000 por pessoa por ano), em 2025 o banco espera que a maioria dos países africanos tenha alcançado esse estágio. Enquanto a ascensão dos BRICs e a crise no Ocidente estabeleceram a narrativa principal da primeira década do século, a ascensão da África poderia se tornar o fenômeno-chave da segunda década.

Consideremos a Nigéria. Este ano, essa nação ultrapassou a África do Sul e se transformou na maior economia da África. Ao longo da última década, o país cresceu a 7% ao ano, e o crescimento em 2013 deverá ser de pelo menos 6,8%, – muito maior do que os escassos 2,5% da África do Sul. Além disso, a moeda da Nigéria é relativamente estável. Apesar dos problemas com roubo e corrupção no setor de petróleo, a Nigéria foi capaz de crescer muito rápido em 2013, em grande parte devido a um forte desempenho nos setores de telecomunicações, agricultura, hotelaria e construção. Finalmente, a dívida da Nigéria em relação ao PIB é muito baixa, em torno de 20%, sobretudo em comparação com muitos países ocidentais. Isto é em parte atribuído à respeitada Ministra das Finanças nigeriana Ngozi Okonjo, cuja candidatura como diretora do Banco Mundial recebeu amplo apoio no Sul Global em 2012.

Claro, complexos desafios permanecem. Cerca de um quarto das nações da África ainda é atormentado pela instabilidade política ou conflitos armados, o que prejudica seriamente as perspectivas de crescimento. A infraestrutura em todo o continente continua a ser abismal, tornando os produtos africanos caros demais para competir globalmente. As falhas do governo, a má gestão e a corrupção ainda são problemáticas. A não ser que os governos invistam mais em infraestrutura e educação e, a menos que aprovem reformas econômicas que criam uma legislação de investimento mais transparente, os sucessos recentes podem ser apenas um outro boom insustentável alimentado principalmente pelos preços elevados das matérias-primas, melhorando a vida de apenas uma fina camada das classes superiores. Se estes problemas puderem ser abordados, a África poderia invadir o mercado mundial de indústrias leves e serviços, como call centers. Há muitos sinais de esperança. Por exemplo, as matrículas do ensino secundário cresceram 48% entre 2000 e 2008, depois de muitos estados expandirem seus programas de educação.

Enquanto muitos têm comentado sobre a ascensão econômica da África, muito pouco tem sido dito sobre as implicações nas políticas globais. A África continua a ser muito sub-representada nas instituições internacionais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI). A última reforma de cotas do FMI inclui uma melhor representação para todas as potências emergentes, exceto a África do Sul, cuja participação está fadada a declinar. Com a África do Sul, o continente africano possui apenas um membro no G20. A África do Sul é também um membro do BRICS. Paradoxalmente, a potência diplomática mais importante do continente é também um dos seus países menos dinâmicos, levantando questões sobre sua capacidade de continuar a representar o continente Africano. A ausência de grandes países territorialmente dominantes no continente (em comparação com a América do Sul ou a Ásia) complica os esforços para reunir a representatividade em torno de um grande ator, que poderia ser incluso nas propostas de reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, como o G4.

E, no entanto, qualquer debate sobre a reforma da governança global deve incluir cada vez mais considerações sobre como garantir que a África emergente será adequadamente representada nas instituições internacionais.

Com as notícias sobre o conflito na Nigéria dominando a pauta na mídia, é preciso lembrar que, apesar dos desafios, o continente africano está passando pela sua melhor fase desde o fim do colonialismo. Como David Brooks disse em recente artigo no New York Times, Boko Haram não é protagonista na África, nem na Nigéria. O grupo é uma reação à história principal do continente, que trata de crescimento, urbanização e uma redução inédita da pobreza, além da integração cada vez maior da África na economia global.

Leia também:

Supremacia militar norte-americana versus liderança econômica chinesa

O Brasil e a reforma do Conselho de Segurança da ONU: um sonho impossível?

Recuo ou normalização na política externa brasileira? (Folha de São Paulo)

PHOTO CREDIT : Mutua Matheka

SOBRE

Oliver Stuenkel

Oliver Della Costa Stuenkel é analista político, autor, palestrante e professor na Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Ele também é pesquisador no Carnegie Endowment em Washington DC e no Instituto de Política Pública Global (GPPi) ​​em Berlim, e colunista do Estadão e da revista Americas Quarterly. Sua pesquisa concentra-se na geopolítica, nas potências emergentes, na política latino-americana e no papel do Brasil no mundo. Ele é o autor de vários livros sobre política internacional, como The BRICS and the Future of Global Order (Lexington) e Post-Western World: How emerging powers are remaking world order (Polity). Ele atualmente escreve um livro sobre a competição tecnológica entre a China e os Estados Unidos.

LIVRO: O MUNDO PÓS-OCIDENTAL

O Mundo Pós-Ocidental
Agora disponível na Amazon e na Zahar.

COLUNAS