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Para globalizar o marco da internet

valor
 

06/06/2014 às 05h00

Thorsten Benner e Oliver Stuenkel

“A internet que queremos só é possível num cenário de respeito aos direitos humanos, em particular à privacidade e à liberdade de expressão”. Foi com essas palavras que a presidente Dilma Rousseff abriu o encontro global NETMundial sobre o futuro da governança da internet, em São Paulo, no final de abril. Diante de uma plateia de 800 representantes de governos, organizações internacionais, negócios, sociedade civil e da comunidade de especialistas, Rousseff assinou o histórico Marco Civil da Internet. Internamente, esse foi um raro momento de sucesso para a presidente em apuros. Para o mundo, o evento marcou o decisivo arranque do Brasil como um ator progressivo sobre os direitos digitais no cenário global. Este é um desenvolvimento significativo, considerando que há muito tempo o Brasil não se distanciava dos países que pressionam por um controle governamental mais forte sobre a internet.

Ao contrário da interpretação defendida pelo “Financial Times” e “The Economist”, esse movimento não é um realinhamento com os EUA. Ao contrário, é uma grande oportunidade para colocar o Brasil no centro de uma coalizão de países que trabalham para um “Marco Civil global” – uma internet aberta, livre e segura, e sem a vigilância em massa.

A questão agora é se o Brasil tem o que é preciso para seguir essa rota. O “Marco Civil global” não surgirá nas conferências e discursos, mas por meio de ações concretas e manobras políticas hábeis – tal como foi o caso do Marco Civil no Brasil. Isso requer uma estratégia clara e um investimento substancial de recursos políticos a longo prazo.

Felizmente, com a Alemanha, o Brasil tem um parceiro natural nesta empreitada. Não é por acaso que a chanceler alemã Angela Merkel foi a única liderança mundial que teve destaque no discurso de Dilma. Assim como ficou claro em um workshop Brasil-Alemanha no início de abril, ambos os países compartilham semelhanças importantes. A maioria das elites de ambos os países compartilham a convicção de que é importante reduzir os esforços de vigilância. Ambos os governos declaram seus esforços para recuperar a “soberania tecnológica”, um termo mal definido que tem levado a iniciativas como o “sistema de roteamento Schengen” dentro da Europa Continental ou novos cabos de fibra ótica submarinos entre o Brasil e a Europa, de modo que o tráfego de internet pode ignorar os EUA e o Reino Unido.

Durante a cúpula NETMundial, Brasil e Alemanha foram os maiores defensores dos direitos digitais na conferência. Ao levar essa agenda adiante, Brasil e Alemanha devem se envolver em uma estratégia em duas vertentes: dar o exemplo em casa e se envolver em empreendedorismo de normas a nível mundial. Em neutralidade da rede, a Alemanha deveria seguir o modelo brasileiro e pressionar para consagrar este princípio no nível da UE. Em medidas para “soberania tecnológica”, Brasil e Alemanha só devem comprometer-se a essas políticas quando a evidência sugere um benefício líquido para uma internet mundial livre, aberta e segura. Ambos os países devem apresentar melhores controles das atividades de seus próprios serviços de inteligência, incluindo proteção de direitos dos não-cidadãos.

Ao lidar com esses temas domesticamente, Brasil e a Alemanha poderão envolver-se em empreendedorismo de normas a nível global. Aqui eles podem construir sobre a resolução conjunta da ONU sobre privacidade digital, que foi adotada em dezembro passado. Ambos os países devem patrocinar relatórios regulares que expõem práticas por parte dos governos que vão contra a letra e espírito da presente resolução. Ao fazê-lo, eles não devem se coibir de confrontar os governos com os quais colaboram em outros ambientes, seja a aliança ocidental ou Brics e agrupamentos G-7. Eles também devem promover o desenvolvimento de normas em questões de segurança cibernética, uma área que ainda assim foi ignorada na cúpula NETMundial. O Brasil tem sido ainda mais lento na formulação de sua própria posição.

A expansão da coalizão para uma internet livre, aberta e segura será uma batalha difícil, dadas as múltiplas tentações e impulsos autoritários – não apenas por parte dos líderes políticos atuais na China, Rússia e Irã, mas também na Turquia. Exigirá não apenas a cooperação dos governos, mas também da sociedade civil, empresas, think tanks, bem como acadêmicos e técnicos especialistas de ambos os países. O governo e as fundações devem investir na diplomacia de segunda via para gerar um suporte forte à parceria. Ao mesmo tempo, investimentos políticos constantes do aparato de governo de ambos os países (inclusive parlamentares) e dos principais líderes são essenciais.

Neste momento, não está claro se a chanceler Merkel e a presidente Dilma Rousseff têm o interesse e a coragem necessárias para prosseguir esta agenda na ausência de pressão pública ou ganhos nas urnas. O exemplo da “responsabilidade ao proteger” (RWP) deve servir de exemplo de como não fazer as coisas. Neste caso, o Brasil propôs uma importante nova iniciativa na ONU com grande alarde, apenas para abandoná-la logo em seguida após ter sido criticado pelas potências ocidentais.

Desta vez, precisa ser diferente. Uma maneira de fazer diferente é contar com um parceiro forte e investir na parceria Brasil-Alemanha sobre a política global da internet. Quando Angela Merkel vier ao Brasil em 16 de junho para torcer pela equipe alemã em sua primeira partida na Copa do Mundo, Dilma deve convidá-la para uma discussão sobre como dar continuidade à pauta digital Brasil-Alemanha. A chanceler também deve se reunir com altos representantes da sociedade civil brasileira, da academia e da comunidade técnica que incansavelmente a pressionaram para a aprovação do Marco Civil e que agora estão prontos para “globalizar” esta experiência. As apostas são altas, de fato, na batalha para uma web livre e aberta. A Alemanha e o Brasil não devem deixar essa oportunidade passar.

Thorsten Benner é diretor do Global Public Policy Institute (GPPi) em Berlim.

Oliver Stuenkel, PhD, é professor de relações internacionais da FGV/SP

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SOBRE

Oliver Stuenkel

Oliver Della Costa Stuenkel é analista político, autor, palestrante e professor na Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Ele também é pesquisador no Carnegie Endowment em Washington DC e no Instituto de Política Pública Global (GPPi) ​​em Berlim, e colunista do Estadão e da revista Americas Quarterly. Sua pesquisa concentra-se na geopolítica, nas potências emergentes, na política latino-americana e no papel do Brasil no mundo. Ele é o autor de vários livros sobre política internacional, como The BRICS and the Future of Global Order (Lexington) e Post-Western World: How emerging powers are remaking world order (Polity). Ele atualmente escreve um livro sobre a competição tecnológica entre a China e os Estados Unidos.

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