The Upside of Down. Why the Rise of the Rest is Good for the West. By Charles Kenny. Basic Books, 2014. 256 pages, R$ 28,89 Kindle (www.amazon.com.br)
“Ser o número um é vantajoso, com certeza, mas precisamos, cada vez mais, que outros países se imponham – e não deveríamos nos assustar quando eles o fizerem.”
O debate sobre o futuro da ordem global é dominado por acadêmicos dos EUA que acreditam que a liderança do país se prolongará (como Robert Kagan em The World America Made e Bruce Jones em Still Ours To Lead) e outros que acreditam em seu declínio (como Ann Lee em What the U.S. Can Learn from China e Stephen Leeb em Red Alert). Kagan e Jones acreditam que o crescimento da China não ameaçará a liderança global dos EUA. Lee e Leeb, muitas vezes chamados de pessimistas por críticos, acreditam que a unipolaridade se encerrará em breve ou já se encerrou.
O novo livro de Charles Kenny, The Upside of Down, não se encaixa facilmente em nenhuma dessas categorias. O autor esclarece, no começo, que o declínio relativo é inevitável – não uma questão de escolha, como defensores de uma política externa imponente (como Kagan) argumentariam. “É importante reconhecer que políticas para ‘retomar o domínio dos EUA’ estão destinadas a falhar,” ele escreve. A ascensão dos outros países não só está em andamento, ele afirma, como também é desejável. Kenny argumenta que os Estados Unidos deveriam aceitar um mundo em que “o resto” alcança o Ocidente. O autor está ciente que isso pode parecer contraintuitivo:
Teorias de Relações internacionais são apresentadas, com frequência, em condições puramente relativas. A posição realista propõe, efetivamente, que todo país tem como objetivo estar à frente dos outros. Isso é impossível para a grande maioria, claro, e burrice mesmo para os poucos que poderiam levar a ideia a sério. Os países não estão em uma competição de soma-zero e o pensamento em política externa que trata o mundo dessa forma é pouco produtivo.
O comentário de Kenny que os EUA poderiam aprender com a Grã-Bretanha, que reconheceu que seu declínio não seria o fim do mundo, não deve ser encarado de boa forma por formuladores de política externa em Washington, D.C. Os argumentos dele são óbvios, mas raramente ditos: as vidas dos cidadãos americanos não seriam necessariamente afetadas de modo negativo se os Estados Unidos fossem um de diversos polos em um sistema multipolar. Ele escreveu, em um recente artigo para promover seu livro:
A conexão entre o tamanho absoluto de sua economia e quase todas as outras medidas que importam de verdade é incrivelmente fraca. Quando a China se tornar a líder, ainda estará muito atrás dos atuais líderes em indicadores que refletem a qualidade de vida.
Se os EUA usarem a estratégia certa, a ascensão da China e da Índia é uma ótima notícia, pois trará benefícios a muitos, incluindo à economia dos Estados Unidos. Entre 1990 e 2012, a proporção de exportações dos EUA para países emergentes mais do que dobrou e em breve crescerá ainda mais.
De modo interessante, Kenny escreve que “não há motivo algum que aponte que o Século XXI não será um ‘Século Americano’ – o que significa a retenção ou aumento da reputação global dos EUA como um país a ser emulado.” Tal afirmação levanta uma importante questão: os EUA são admirados por sua educação, direitos civis e liberdade ou apenas por sua superioridade militar e econômica? Kenny diz que o hard power não importa. Isso soa improvável. Afinal de contas, foram exatamente a dominância militar e econômica que permitiram, nas últimas seis décadas, a reformulação do mundo de acordo com os interesses dos EUA e a disseminação de seus valores, ideias e cultura.
Parece altamente questionável considerar que os Estados Unidos podem permanecer como a sociedade mais atraente do mundo uma vez que a China os ultrapassar. Para um país que se tornou, de maneira preocupante, cada vez mais acostumado a ditar as regras do mundo, qualquer coisa que não seja a liderança pode ser completamente catastrófico.
Finalmente, a proposição de Kenny sobre o “declínio relativo feliz” levanta importantes perguntas sobre quem fornecerá bens públicos globais no futuro. Quem fornecerá segurança marítima e garantias de segurança para países como o Japão? Kenny quase não menciona como o declínio dos EUA afetará os dilemas da competição por segurança. Em outras palavras, quem preencherá o vácuo deixado pelos Estados Unidos na geopolítica? Apesar dessas omissões, The Upside of Down é uma ótima leitura, cheia de dados interessantes, que contribui em muito para o debate sobre o futuro da ordem global.
Leia também:
Os detalhes da reunião dos países do Brics, em Fortaleza (Sem Fronteiras / Globonews)