Resenha: Matias Spektor. 18 Dias.: Quando Lula e FHC se uniram para conquistar o apoio de Bush. Editora Objetiva, 2014. R$ 23,66 (www.amazon.com.br)
Enquanto o Brasil está vivendo um período de acirrada disputa eleitoral, um novo livro relembra o mais dramático momento de transição política desde a redemocratização. 18 Dias: Quando Lula e FHC se uniram para conquistar o apoio de Bush de Matias Spektor, professor de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas e colunista da Folha de São Paulo, usa o momento único, logo depois da histórica vitória de Lula em 2002, como o ponto de partida para uma excelente análise da diplomacia presidencial do Brasil e o lugar do país no mundo.
No final da sua presidência, Fernando Henrique Cardoso enfrentou um dilema. O Brasil tinha progredido muito durante seus dois mandatos, mas a economia ainda estava vulnerável e os políticos e investidores dos Estados Unidos temiam que Lula teria o potencial de desfazer os avanços de Cardoso, levando, desta maneira, a economia a uma crise. Para proteger o seu legado, Cardoso teve que convencer os EUA que Lula, seu inimigo político, só teria as melhores intenções. Isso levou a uma cooperação inédita entre dois partidos de ideologias diferentes durante a transição de poder, um cenário dificilmente imaginável na atual polarização da política nacional.
Talvez o único aspecto problemático de 18 Dias seja seu título, que deixa de fazer justiça à ambição e escopo do livro. Longe de só contar uma história da transição de poder de FHC para Lula, o livro de Spektor é uma profunda análise da política externa brasileira nos anos 90 e uma peça instigante sobre a história global na virada do século. Conta dinâmicas aparentemente desconexas para construir uma grande narrativa que visa entender a conjuntura da política nacional e internacional da época. Assim, mostra que nada naquele momento ocorreu isoladamente.
No final de 2002, os desafios enfrentados por FHC e o presidente eleito Lula foram extremamente complexos, incluindo problemas com os EUA, a Venezuela e a Colômbia. Analisando cada um deles, 18 Dias elimina, de maneira elegante, inumeráveis mitos que dominam os debates de política externa até hoje. Muitos leitores ficarão surpresos ao descobrir que as relações Brasil-EUA durante a presidência de FHC foram pouco tranquilas. Apesar de uma excelente relação pessoal, Cardoso e Clinton discordavam em vários assuntos, por exemplo, em relação à guerra civil na Colômbia. A relação não melhorou quando Clinton deixou o poder, e Cardoso continuou descrente com as propostas dos EUA em relação à liberalização comercial nas Américas. Da mesma maneira, Spektor mostra que Lula e Dirceu, apesar da retórica anti-americana, ficaram entusiasmados em estabelecer uma forte relação com o presidente Bush, mostrando que o novo governo do PT não tinha interesse em afastar o Brasil dos Estados Unidos.
A façanha mais importante do livro é sua capacidade de oferecer uma impressão detalhada de como era ser um dos principais responsáveis pela política externa na época. 18 Dias inclui tantas informações e anedotas anteriormente desconhecidas que o livro parece ser escrito por um dos envolvidos. Ao mesmo tempo, não sofre da parcialidade que marca a maioria dos livros escritos por ex-diplomatas ou líderes. O autor levou anos para entrevistar todos os atores da transição, que inclui os presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula, bem como pessoas chave do lado americano, como Condoleezza Rice. Spektor diz que como são polarizadas as relações entre PT e PSDB, espera “deixar todos um pouco frustrados.” Porém, para aqueles que estão interessados em obter uma visão sofisticada de um episódio crucial da diplomacia brasileira, o livro certamente não gerará frustração. Pelo contrário, 18 Dias é brilhante e se tornará uma obra de referência.
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