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Resenha: “África parceira do Brasil Atlântico” de José Flávio Sombra Saraiva

CAPA AfricaParceria

África parceira do Brasil Atlântico: relações internacionais do Brasil e da África no início do século XXI de José Flávio Sombra Saraiva. Fino Traço Editora, Belo Horizonte, 2011, 168 pp.

Resenhado para Política Externa.

A presença do Brasil na África vem crescendo – nada simboliza melhor essa realidade do que as 37 Embaixadas brasileiras que hoje existem por todo o continente, dando ao Brasil uma representação diplomática mais forte que a de potências tradicionais, como a Grã-Bretanha. No entanto, qual seria a estratégia brasileira para a África e quais seus interesses no continente? Estaríamos assistindo a uma aproximação intensa, mas insustentável (como já aconteceu antes) ou o começo de uma cooperação duradoura e cada vez mais próxima?

José Flávio Sombra Saraiva, professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, publicou seu primeiro livro sobre assuntos africanos em 1978 e é um dos poucos especialistas em África nos meios acadêmicos brasileiros. Seu livro* é, portanto, uma contribuição muito bem-vinda, uma vez que o papel desempenhado em tempos recentes pelo Brasil na África permanece pouco estudado e mal compreendido.

Após o Brasil e a África terem se separado há milhões de anos, o que marcou as relações Brasil-África, do século XVI até o século XIX, foi o tráfico de escravos. Mais escravos africanos foram trazidos ao Brasil do que a qualquer outro país do hemisfério, os Estados Unidos inclusive, criando laços culturais profundos e irreversíveis. No entanto, na primeira metade do século XX, “o silêncio reinou sobre o Atlântico Sul”, nas palavras de Saraiva, uma vez que tanto a África quanto o Brasil voltaram os olhos para o Norte, para a Europa e os Estados Unidos, respectivamente.

As elites brasileiras tentaram minimizar o papel desempenhado pelos africanos na identidade nacional, e tópicos relacionados à África foram retirados dos currículos das escolas brasileiras. Quando a luta pela descolonização se intensificou, após a II Guerra Mundial, o Brasil (no governo de Kubitschek) evitou prestar apoio ativo aos movimentos pela independência, principalmente porque no momento buscava o auxílio dos países industrializados para seu próprio processo de desenvolvimento econômico e também de “relutar em ofender Portugal”, uma potência colonial em terras africanas. O livro de Saraiva traz detalhes fascinantes sobre esse controvertido período – por exemplo, o embaixador brasileiro em Portugal entre 1957 e 1959, Álvaro Lins, não demorou a ser chamado de volta ao Brasil por ter conclamado o governo brasileiro a apoiar a luta dos países africanos pela independência.

Após diversas nações africanas terem conquistado a independência em fins da década de 1950 e inícios da de 1960, o presidente Jânio Quadros deu os primeiros passos para estabelecer vínculos mais robustos com a África. Quadros nomeou Raymundo de Souza Dantas, um jornalista brasileiro e negro, para chefiar a Embaixada em Acra. Dantas, o primeiro embaixador negro da História brasileira, entretanto, descreveu sua estada de dois anos em Gana como “traumática e dolorosa”, não tardando a voltar ao Brasil com a queixa de que o governo não lhe havia fornecido a infraestrutura necessária para desempenhar suas funções de forma satisfatória. Pouco depois, Gana e Senegal instalaram Embaixadas no Brasil, as primeiras de toda a América Latina. O presidente Quadros, além disso, convidou para uma visita ao Brasil Leopold Senghor, chefe de Estado do Senegal que, paradoxalmente, foi recebido em 1964 não por Quadros, mas pelo general Castelo Branco, que havia deposto o sucessor de Quadros, João Goulart, num golpe militar ocorrido seis meses antes. Castelo Branco encarava a África principalmente no contexto da ameaça comunista, mas, fora isso, dava pouca atenção ao continente.

Em inícios da década de 1970, as relações Brasil-África receberam um novo impulso, os investimentos brasileiros em países como Angola cresceram vertiginosamente, e o número de Embaixadas brasileiras na África chegou a 16. Em 1972, Gibson Barboza, ministro das Relações Exteriores, visitou 9 países da África Subsaariana. Em 1975, o Brasil reconheceu a independência de Angola, colocando um fim então ao tradicional alinhamento com Portugal. Os choques do petróleo fizeram com que o Brasil se voltasse para a Nigéria e para Angola como fornecedores potenciais. Apesar de todos esses avanços, só em 1983 o presidente Figueiredo veio a se tornar o primeiro chefe de Estado brasileiro a visitar a África Subsaariana. É interessante observar que, à época, a Nigéria já havia ultrapassado a África do Sul como o principal parceiro comercial do Brasil, em grande medida devido às exportações de petróleo nigeriano.

No entanto, mais uma vez, esse ativismo se mostrou insustentável e, na década de 1990, as relações Brasil-África entraram novamente em hibernação. O presidente Collor enfocou claramente o fortalecimento dos vínculos com os Estados Unidos e Lampreia, o ministro das Relações Exteriores do presidente Cardoso, não via a África como uma prioridade no cenário pós-Guerra Fria. O comércio exterior com a África, que na década de 1980 chegou a perfazer 10% do total, caiu para 2% na década de 1990.

Foi o presidente Lula que, logo ao início de seu primeiro mandato, identificou a África como uma prioridade no esforço brasileiro de diversificar suas parcerias. É digno de nota que suas motivações tinham elementos tanto idealistas como realistas. Lula apontou para a “dívida histórica” que o Brasil tinha para com a África, atentou para os laços culturais e tentou reforçar as relações Sul-Sul em geral, como modo de contrabalançar o que ele via como a força excessiva das potências estabelecidas. Ao mesmo tempo, ele reconheceu que os mercados africanos ofereciam grande potencial para as empresas brasileiras. Saraiva afirma também que o Brasil “vem se convertendo em um porta-voz dos interesses africanos no sistema internacional”, o que, entretanto, soa mais como uma aspiração, uma vez que os interesses brasileiros vêm divergindo cada vez mais dos interesses dos pequenos países em desenvolvimento.

O autor faz grandes elogios à decisão do governo Lula de retomar o engajamento com a África, e os efeitos são de fato notáveis: hoje há um número maior de Embaixadas africanas em Brasília (34) do que em qualquer outra capital do Hemisfério Ocidental, com a exceção de Washington. O comércio atingiu US$ 20 bilhões, voltando a subir para 6% do total brasileiro, e espera-se que essa participação venha a crescer ainda mais. Hoje, poucos duvidam que uma potência emergente possa se dar ao luxo de não investir na África, uma das últimas fronteiras econômicas do mundo.

Teria sido interessante, contudo, sabermos mais sobre o ponto de vista de Saraiva com relação aos desafios enfrentados pelo Brasil em suas negociações com a África. Por exemplo, o fato de que, no Brasil, a raça permanece como um poderoso indicador de status socioeconômico e isso pode prejudicar as tentativas de forjar vínculos mais profundos com as nações africanas. Delegações nigerianas e sul-africanas em visita ao Brasil surpreendem-se ao constatar que são pouquíssimos os negros que pertencem às elites brasileiras, o que contrasta com a imagem do Brasil como uma sociedade onde a raça não desempenha qualquer papel.

Além disso, é inevitável que a maneira como o Brasil é visto pelos africanos venha a mudar à medida que a presença econômica brasileira na África continue a crescer. Embora essa presença ainda seja muito menor que a da Índia ou da China, o Brasil tem que ter o cuidado de evitar alguns dos erros cometidos pela China, que corre o risco de enfrentar uma reação negativa na região. Ao que parece os africanos de modo geral gostam dos brasileiros. Agora o desafio é garantir que, apesar dos maiores investimentos, como por exemplo, o contrato de US$ 1 bilhão de dólares recentemente assinado pela Vale para a construção de uma ferrovia em Malawi para transporte do carvão de Moçambique, o Brasil continue a ser visto como um parceiro, e não como um novo colonizador que nada quer além de explorar os recursos da África.

Por fim, o Brasil vem adquirindo capacidade militar (vários submarinos nucleares) para intensificar seu controle sobre o Atlântico Sul, embora ainda não seja clara a forma pela qual o país pretende empregar essa nova força. Especialistas em segurança, tanto dos Estados Unidos como da África do Sul, se perguntam se o Brasil planeja a criação de um Espaço de Segurança do Atlântico Sul nos moldes da OTAN, e quais seriam as implicações geopolíticas de tal medida. Independentemente do que o Brasil venha a decidir, as relações Brasil-África serão profundamente afetadas.

Tradução: Patricia de Queiroz Carvalho Zimbres

Leia também:

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SOBRE

Oliver Stuenkel

Oliver Della Costa Stuenkel é analista político, autor, palestrante e professor na Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Ele também é pesquisador no Carnegie Endowment em Washington DC e no Instituto de Política Pública Global (GPPi) ​​em Berlim, e colunista do Estadão e da revista Americas Quarterly. Sua pesquisa concentra-se na geopolítica, nas potências emergentes, na política latino-americana e no papel do Brasil no mundo. Ele é o autor de vários livros sobre política internacional, como The BRICS and the Future of Global Order (Lexington) e Post-Western World: How emerging powers are remaking world order (Polity). Ele atualmente escreve um livro sobre a competição tecnológica entre a China e os Estados Unidos.

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