Originalmente publicado em inglês no dia 30 de julho e traduzido pelo Politike.
Brasil precisa mostrar à Venezuela que não aceitará retrocessos na promessa do país em aceitar observadores internacionais nas eleições de dezembro
Enfrentando a pior crise econômica e política em mais de duas décadas (uma situação definida como uma “tempestade-mais-que-perfeita” pelo jornal Valor Econômico), a presidenta Dilma Rousseff deve se preparar para um dos desafios mais complexos de sua política externa desde que chegou ao poder. Assegurar eleições livres e justas na Venezuela no início de dezembro tornou-se o teste decisivo da capacidade do Brasil em defender a democracia e a estabilidade política em sua vizinhança. A posição do Brasil, tanto regional quanto globalmente, será em grande parte afetada por eleições bem sucedidas em quatro meses.
Após intensas negociações nos bastidores e a crescente pressão da UNASUL, bloco liderado pelo Brasil, o governo venezuelano concordou, no mês passado, em realizar eleições parlamentares em 6 de dezembro, como é exigido pela Constituição. Na época, o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, também aceitou que representantes da UNASUL fossem autorizados a observar as eleições. Isso foi visto, em geral, como uma vitória para o Brasil que, desde a última crise política que abalou Venezuela em 2002, institucionalizou suas ambições de liderança regional por meio da criação da UNASUL. O novo bloco tem substituído efetivamente a Organização dos Estados Americanos (OEA) como observador eleitoral e plataforma de mediação em momentos de crises constitucionais na América do Sul.
Abertamente contradizendo o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, o presidente Maduro anunciou na terça-feira 28 que a “Venezuela não é monitorada e não será monitorada por ninguém”. Questionado por jornalistas se a Venezuela aceitaria observadores internacionais, Maduro reiterou que “nunca aceitará ninguém”. Alguns podem argumentar que Maduro se referia a Luis Almagro, novo Secretário-Geral da OEA, que havia solicitado o envio de observadores, mas o anúncio foi muito extenso para não afetar o Brasil. Mesmo que seja uma mera retórica (Maduro descreve rotineiramente até mesmo a oposição moderada como “fascistas”, chamou o primeiro-ministro da Espanha de “assassino do povo espanhol” e recentemente prometeu uma revolução caso a oposição vença em dezembro), estas alegações prejudicam diretamente o esforço do Brasil para convencer observadores internacionais e a oposição da Venezuela de que é capaz de assegurar eleições justas.
Os comentários de Maduro, portanto, demandam uma resposta pública e direta da presidenta Dilma Rousseff, pressionando Maduro a aceitar a presença de observadores independentes, escolhidos pela UNASUL sem a interferência da Venezuela. Estes observadores devem possuir perfis ideológicos diversos e serem autorizados a circular de forma independente pelo país, sem a companhia de oficiais venezuelanos, a qualquer momento entre agora e as eleições. Eles também devem ser autorizados a trazer suas próprias equipes, de preferência com experiência em monitoria de eleições. O governo brasileiro deveria deixar claro que a evidência de interferência do governo venezuelano no processo eleitoral levaria a uma resposta unificada da UNASUL e do Mercosul, possivelmente resultando na suspensão do país em ambas as organizações – como ocorreu com o Paraguai em 2012.
Alguns observadores brasileiros irão interpretar essa recomendação como apoio à oposição da Venezuela. Longe disso: a menos que o Brasil se posicione como um mediador crível e legítimo tanto para Maduro quanto para a oposição, o seu papel como defensor da estabilidade política na Venezuela será reduzido. Assim como o comentário de Maduro merece uma resposta de Dilma, o governo brasileiro deve condenar quaisquer apelos da oposição venezuelana para remover Maduro por meios que violem a Constituição.
A oposição brasileira deve, portanto, tomar cuidado para apenas se envolver com líderes políticos da oposição venezuelana que prometam terminar o governo chavista apenas por meio de eleições regulares. Nem sempre o governo venezuelano ou os diversos líderes oposicionistas jogaram de acordo com as regras e, neste contexto, a decisão do opositor Henrique Capriles de comparar Maduro a Hitler é tão equivocada quanto a retórica exagerada do presidente.
O maior erro do Brasil seria importar a polarização da Venezuela ao discutir o assunto. Infelizmente, isso se tornou a norma e simpatizantes do PT defendem Maduro (às vezes sem saber que uma parcela crescente da esquerda na Venezuela o desaprova), enquanto os apoiadores do PSDB cegamente demonizam o presidente venezuelano. Por exemplo, chamar Maduro de “tirano”, como o senador brasileiro Aloysio Nunes fez recentemente em seu blog, é inútil e irá provocar mais polarização, não menos.
O objetivo do Brasil é proteger a democracia, não a vitória de qualquer facção em particular. Se o partido do governo vencer as eleições em dezembro, isso beneficiará imensamente Maduro, aumentando sua legitimidade.
Maduro parece indisposto a manter sua promessa de dar acesso a observadores internacionais durante eleição em dezembro. Foto: Marcos Oliveira/ Agência Senado
Com índices de aprovação de Dilma historicamente baixos e rumores sobre um iminente impeachment dominando as notícias, a crise na Venezuela não poderia vir em pior momento para um país que, ao longo da última década, desempenhou um papel notável para ajudar a consolidar a democracia na região. A começar pela presidência de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), o Brasil muitas vezes se envolveu de forma assertiva em acontecimentos políticos na região, intervindo diplomaticamente quando crises políticas ameaçaram a democracia, e o ex-presidente Lula abraçou a ideia de liderança do Brasil, introduzindo o conceito de não indiferença.
No entanto, ao contrário de 2002 e 2003, quando FHC e Lula eram capazes de influenciar a dinâmica interna na Venezuela, o Brasil é hoje um mediador bem menos crível do que há uma década. Em 2003, o ex-presidente Lula insistiu em incluir os EUA e a Espanha no grupo “Amigos da Venezuela”, o que ajudou a unir o governo e a oposição. O movimento de Lula provou-se crucial, uma vez que convenceu a oposição a empenhar-se seriamente nos debates. Lula pode ter sido um presidente de esquerda, mas era visto como um mediador legítimo e relativamente imparcial pela oposição de centro-direita na Venezuela. Tanto ele quanto o Brasil perderam esse status. Após a morte de Chávez, o ex-presidente Lula (ainda um dos mais poderosos atores políticos no Brasil e altamente influente na administração atual) apoiou ativamente a campanha de Nicolás Maduro, um movimento que firmemente colocou o Brasil – aos olhos da oposição – no campo chavista.
Tanto a Venezuela quanto o Brasil têm muito a perder. A Venezuela está enfrentando uma crise econômica terrível (a CEPAL espera que a economia venezuelana se contraia 5,5% em 2015), inflação extrema, violência sem precedentes e uma crise de saúde pública de dimensões trágicas. Para o Brasil, tanto interesses econômicos quanto políticos estão em jogo. Segundo o Valor Econômico, empresas venezuelanas do setor público agora devem US$ 2,5 bilhões a empresas brasileiras. Se a tensão política e os conflitos aumentarem, os interesses comerciais brasileiros estariam cada vez mais em risco. Por isso, um número crescente de representantes do setor privado tenta pressionar Dilma Rousseff a adotar uma estratégia mais assertiva.
Politicamente, a incapacidade do Brasil em controlar a situação prejudica gravemente suas ambições de liderança. A tentativa da UNASUL em mediar o conflito venezuelano é um compromisso multilateral e um experimento interessante para se observar até que ponto o continente é capaz de resolver seus próprios problemas. No entanto, dado que os EUA estão se mantendo largamente fora da discussão, o Brasil é, de longe, o ator mais importante e em melhor posição na América do Sul para assumir a liderança. Se as coisas derem errado na Venezuela, é o Brasil, não a UNASUL, que – com razão – será responsabilizado por falhar em defender a democracia e a estabilidade na região.
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