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Proteção Efetiva e Responsável contra Crimes de Atrocidade: A Caminho de uma Ação Global

GPPI
 

Por THORSTEN BENNER, SARAH BROCKMEIER, ERNA BURAI, C.S.R. MURTHY, CHRISTOPHER DAASE, J. MADHAN MOHAN, JULIAN JUNK, XYMENA KUROWSKA, GERRIT KURTZ, LIU TIEWA, WOLFGANG REINICKE, PHILIPP ROTMANN, RICARDO SOARES DE OLIVEIRA, MATIAS SPEKTOR, OLIVER STUENKEL, MARCOS TOURINHO, HARRY VERHOEVEN, ZHANG HAIBIN

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Sumário Executivo

Uma década após as Nações Unidas adotarem o princípio da Responsabilidade de Proteger pessoas contra crimes de atrocidade (R2P), os resultados das iniciativas mundiais de proteção de indivíduos continuam trágicos. Entretanto, aqueles que identificam como causa desta falta de progresso um impasse global entre intervencionistas “ocidentais” e fortalezas de soberania “não-ocidentais”, também identificam erroneamente o cerne do conflito político e não são capazes de se envolver de forma séria com os desafios práticos da proteção contra crimes de atrocidade.

Como uma equipe de acadêmicos e think-tankers localizados em Pequim, Berlim, Budapeste, Délhi, Frankfurt, Oxford, Rio de Janeiro e São Paulo, analisamos debates globais sobre proteção contra atrocidades, com foco em R2P, na última década. Nas mais de 250 entrevistas feitas em 20 países com políticos, diplomatas, acadêmicos e atores da sociedade civil, perguntamos como e por que Brasil, China, Europa, Índia, Rússia, África do Sul e os Estados Unidos se envolveram com tais ideias em referência às suas respectivas histórias, culturas e políticas internas.

Descobrimos que além dos ocasionais exercícios retóricos, houve uma mudança no centro do debate global sobre proteção contra atrocidades. A maioria dos atores relevantes em todo o mundo aceita a ideia de que a proteção de populações contra crimes de atrocidade é tanto de responsabilidade nacional quanto internacional. Há uma disposição muito maior e mais difundida de dar apoio ao que parece ser necessário para proteger populações contra estes crimes de atrocidade e, até mesmo, contribuir de forma ativa quando há interseção com outros interesses estratégicos. Tal predisposição vai além de pequenos agrupamentos de Estados, sejam eles do “Ocidente”, dos “intervencionistas liberais” ou dos países Amigos da Responsabilidade de Proteger. Ao analisar a questão política da proteção, descobrimos que nenhuma divisão arbitrária entre “Norte” e “Sul”, “Ocidente” e “não-Ocidente”, “emergentes” e “desenvolvidos”, “democráticos” e “autoritários” é útil.

Certamente, ainda persistem conflitos sobre o que deva ser a proteção em si. Eles estão associados a dois desafios inter-relacionados sobre a proteção na prática: como proteger de forma responsável (ex.: evitar o abuso do discurso humanitário pelas grandes potências) e como proteger de forma efetiva. Em decorrência do uso da força na Líbia em 2011, intervenções militares só serão consideradas legítimas se forem organizadas de forma a evitar mais abusos por parte das grandes potências. Garantir efetividade é tão difícil quanto garantir responsabilidade. A história recente registra frequentemente mais fracassos que sucessos limitados. Uma proteção mais efetiva requer não somente o desenvolvimento de instrumentos políticos, mas também a avaliação de riscos e a tentativa de identificar o menor dos males em cada situação particular.

Uma proteção responsável e efetiva exige o engajamento sério com as muitas dificuldades e dilemas que se põem e que vão além de estereótipos simplistas e ilusórios que dominaram por tanto tempo as discussões sobre R2P. Além disso, ao invés de evitar o debate sobre o componente militar do R2P, os envolvidos devem estabelecer um diálogo mais construtivo e autocrítico sobre a paz global e a governança da segurança a fim de possibilitar a proteção mais efetiva e responsável no futuro. Esse debate deve ser sobre a efetividade do uso da força na proteção de pessoas contra crimes de atrocidade, as suas chances de fazer mais bem do que mal e os seus sucessos e fracassos do passado.

A fim de contribuir com o progresso desses debates, traçamos sugestões de políticas em cinco áreas-chave:

Reduzir a vulnerabilidade das fontes de informação a acusações de parcialidade.

Um desafio crucial para a proteção contra crimes de atrocidade tem sido as acusações de parcialidade sobre o tipo e interpretação das informações sobre as atrocidades que são veiculadas pelos governos, pela mídia ou por grupos da sociedade civil. Fica a cargo das grandes empresas de mídia e filantropos, em especial nas potências emergentes, investir em fontes de informação e análises independentes e críveis sobre conflitos e direitos humanos. Ao mesmo tempo, os Estados membros, a sociedade civil e as organizações regionais devem melhorar a capacidade da ONU de descobrir fatos e coletar informações de maneira independente.

Utilizar ferramentas diplomáticas e civis antecipadamente, de forma justa e estratégica.

Apesar do consenso internacional que atrocidades devem ser evitadas pelo uso sustentável e antecipado de uma variedade de ferramentas civis, a comunidade internacional foi, inúmeras vezes, incapaz de usar tais ferramentas de forma antecipada e decisiva. Para que haja progresso na proteção efetiva, os Estados membros da ONU, em especial as potências emergentes, precisam combinar seus compromissos retóricos com a vontade política e os investimentos necessários em mais capacidades e ideias. Em seus esforços para a prevenção de atrocidades, os tomadores de decisão devem impor a todos os atores de um conflito os mesmos padrões de comportamento. Os governos devem dar prioridade à detenção e ao julgamento dos perpetradores de crimes de atrocidade em suas jurisdições e, assim como a sociedade civil que defende o conceito do R2P, serem cautelosos ao pedir que o Conselho de Segurança da ONU enfrente uma crise emergente.

Habilitar Missões de Paz da ONU para oferecerem proteção crível.

Atender a pelo menos um nível moderado de expectativas na proteção por peacekeepers de populações contra crimes de atrocidade requer investimentos adicionais em capacitação, doutrina e treinamento. Faz-se necessária, também, uma reflexão sobre como usar peacekeeping de uma forma mais efetiva em conjunto com instrumentos políticos. Para manter o frágil equilíbrio entre os países que contribuem com tropas (em sua maioria da África e Ásia), os que as financiam (em sua maioria da Europa e da América do Norte) e os membros permanentes do Conselho de Segurança que estabelecem os mandatos, o sistema exige uma melhora na qualidade das contribuições para as tropas das operações de paz (blue-helmet), inclusive por intermédio de uma divisão de trabalho mais justa e equilibrada.

Trabalhar para um processo decisório mais inclusivo sobre ações militares.

Um Conselho que é capaz tanto de determinar e mobilizar para uma proteção efetiva quanto de limitar o temor sobre o abuso dos discursos humanitários precisará considerar as opiniões de todos os grandes atores políticos do mundo atual, dentre eles os países que contribuem com tropas e os grandes financiadores das operações de paz. Os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança devem apoiar, portanto, a reforma dos métodos de trabalho do Conselho para que o processo decisório se torne mais inclusivo e participativo. Além disso, todos os Estados membros devem se engajar mais nas discussões sobre o sistema de monitoramento e reporting dos Estados que implementam missões com mandatos da ONU, levando em consideração as questões levantadas durante a intervenção na Líbia e na proposta da Responsabilidade ao Proteger.

Desenvolver a reflexão e o aprendizado constantes em todas as ferramentas políticas.

Ainda que haja um grande número de experiências fracassadas e poucos casos bem sucedidos, não existe uma base de conhecimento confiável sobre como proteger pessoas contra crimes de atrocidade. Considerando toda essa incerteza, um processo responsável de policy-making requer que os governos, as organizações internacionais, a sociedade civil e o mundo acadêmico criem políticas que sejam mais adaptáveis ao conhecimento em evolução e à avaliação dos riscos, com base em oportunidades internas para reflexão e aprendizado contínuos e colaborativos.

Para ler o policy paper em português, clique aqui.

Click here to read the English version.

photo credit of featured image: UN official

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SOBRE

Oliver Stuenkel

Oliver Della Costa Stuenkel é analista político, autor, palestrante e professor na Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Ele também é pesquisador no Carnegie Endowment em Washington DC e no Instituto de Política Pública Global (GPPi) ​​em Berlim, e colunista do Estadão e da revista Americas Quarterly. Sua pesquisa concentra-se na geopolítica, nas potências emergentes, na política latino-americana e no papel do Brasil no mundo. Ele é o autor de vários livros sobre política internacional, como The BRICS and the Future of Global Order (Lexington) e Post-Western World: How emerging powers are remaking world order (Polity). Ele atualmente escreve um livro sobre a competição tecnológica entre a China e os Estados Unidos.

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