POPULISTA ENCORAJADOS
Por OLIVER STUENKEL
O Brasil tem passado longe do radar da política externa norte-americana nos últimos anos, e é pouco provável que isso mude com Donald Trump.
Ao contrário de chineses, muçulmanos e mexicanos, escolhidos pelo novo presidente como bodes expiatórios para alimentar o medo e manter elevado grau de polarização entre os eleitores estadunidenses –prática comum dos populistas– o Brasil não será prioridade.
Apesar disso, tudo indica que o impacto da presidência Trump para o Brasil será negativo. Há quatro razões principais: o fechamento comercial dos EUA, o provável aumento da taxa de juros pelo Fed (banco central americano), a intensificação de tensões geopolíticas e o enfraquecimento do modelo democrático no mundo.
Em primeiro lugar, os Estados Unidos, outrora capazes de definir a agenda global, estão adotando uma postura voltada para dentro, mais cética a respeito da globalização e menos disposta a assinar acordos comerciais.
Isso ocorre no momento em que se estabeleceu um consenso no Brasil de que a abertura ao comércio é um pré-requisito para a recuperação econômica.
Além disso, se Trump conseguir aumentar os gastos públicos e reduzir impostos, como prometeu, veremos o crescimento da inflação nos EUA, e, por consequência, o aumento da taxa de juros pelo Banco Central. Isso levaria investidores a tirar capital do Brasil, dificultando ainda mais a recuperação do país.
Um exemplo histórico desse fenômeno é a “década perdida” dos anos 1980, que não pode ser compreendida sem considerar a elevação dos juros do Fed à época.
Ademais, o Brasil depende de um ambiente internacional estável para prosperar. A chegada de Trump, no entanto, prenuncia tensões geopolíticas e o recuo dos EUA como um pilar da ordem global, o que, temporariamente, gerará instabilidade e incerteza quanto à capacidade da China preencher o vácuo de liderança.
Com Trump resistente a contribuir para combater desafios globais, incluindo o mais urgente –a mudança climática– todos perderão.
Por último, a ascensão de um caudilho xenófobo em Washington, que tem articulado ataques sistemáticos ao Judiciário, ameaçado processar jornalistas e feito alusões a fraude eleitoral, compromete a cultura democrática nos EUA e encoraja outros populistas a tentarem a sorte.
A ascensão da política pós-verdade, apoiada por Trump, ameaça minar a principal vantagem das democracias sobre os regimes autoritários: sua qualidade estabilizadora, seu compromisso com os fatos, o debate transparente que ajuda a eleger líderes relativamente competentes e a aceitação da diversidade e da globalização.
A eleição de Trump aponta para um cenário em que as democracias hoje são vistas como fonte de mais imprevisibilidade do que as autocracias. Quanto mais tempo essa situação durar, menos atraente parecerá o modelo democrático.
Seria um equívoco culpar Trump por todos os problemas que vêm por aí –acima de tudo, ele é apenas um sintoma do nacionalismo ressuscitado e dos graves problemas que a globalização e a governança global enfrentam desde a desigualdade até a crise dos refugiados.
Mas seria igualmente equivocado acreditar que as suas propostas resolverão tais desafios –pelo contrário, é provável que os agravarão.
Como toda crise, a chegada de Trump também representa uma oportunidade para o Brasil. Por exemplo, para fortalecer os laços com México, que buscará reduzir sua dependência dos EUA, e com vários parceiros na Ásia, região que voltou a ser o centro econômico do mundo. No nível doméstico, ajuda a promover o debate urgente sobre como resistir às promessas de estabilidade e ordem que ouviremos dos candidatos populistas em 2018.
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