O Globo
06/03/2018
Oliver Stuenkel*
Desde a década de 1990, o Partido Comunista Chinês conseguiu construir um sistema de sucessão presidencial baseado em regras – uma conquista que poucos regimes autoritários conseguiram alcançar. Esse arranjo peculiar é uma das razões pelas quais o país conseguiu projetar estabilidade nos últimos 30 anos, enquanto várias outras ditaduras ao redor do mundo entraram em colapso.
Com a emenda constitucional para abolir o limite de dois mandatos para o presidente, a liderança do partido alterou essa fórmula bem-sucedida. A explicação mais plausível para a mudança é que Xi Jinping e seus aliados sentem-se sob ameaça dos seus rivais internos, e que a única maneira de assegurar sua sobrevivência é a concentração de poder. A decisão de Xi é não só uma prova do seu poder, mas também um sinal de sua preocupação em enfraquecer seus inimigos.
Com a mudança, a situação política chinesa provavelmente permanecerá estável por enquanto – espera-se que Xi Jinping continue por um terceiro mandato a partir de 2023. As comparações com outros ditadores, como Putin, Mao ou Mugabe, todos os quais enfraqueceram seus países, são simplistas. O atual governo chinês é sofisticado e resiliente; o país continuará crescendo, e deve se tornar a nação mais poderosa do mundo nas próximas décadas. Ainda assim, a longo prazo, é inegável que mudança constitucional traz grandes riscos para o mundo.
Qualquer tipo de instabilidade política ou disputa pelo poder em Pequim após Xi Jinping – um cenário mais provável na ausência de mecanismos de sucessão institucionalizados – poderia desestabilizar a economia global. Afinal, a China tornou-se tão importante que todos, incluindo Washington, têm um interesse na estabilidade do país. O Brasil também se tornou tão dependente da China que a incerteza política no Reino do Meio representaria uma ameaça fundamental para a trajetória econômica brasileira.
A consolidação de Xi produz outras desvantagens para países ao redor do mundo, incluindo o Brasil. Ao longo dos últimos anos, a política chinesa tornou-se menos transparente e ainda mais difícil de decifrar do que em qualquer momento da História recente. É provável que a repressão política aumente, reduzindo o número de pessoas dispostas a se pronunciar abertamente contra o regime.
A abolição do limite de dois mandatos na China é um mau presságio para a democracia em todo o mundo. Ainda assim, a consolidação de Xi no poder também pode produzir benefícios para a comunidade internacional. Com seus inimigos domésticos enfraquecidos, é provável que ele seja capaz de preencher o vácuo de poder com mais facilidade e fornecer mais bens públicos globais. Com os Estados Unidos retirando-se dos debates sobre a maioria dos desafios mundiais – como a migração, as mudanças climáticas e o protecionismo – é fundamental que a China assuma liderança em pelo menos algumas dessas questões, como já vem fazendo. Diante deste novo cenário, só nos resta torcer para Xi Jinping.
*Professor de Relações Internacionais da FGV em São Paulo
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