A nova política externa terá de partir do pressuposto de que o presidente eleito já representa um problema para a diplomacia brasileira e a reputação global do Brasil.
https://brasil.elpais.com/brasil/2018/11/12/opinion/1542036501_633298.html
O Governo Bolsonaro nem sequer começou, mas a retórica do presidente eleito já prejudicou a reputação do Brasil no exterior. Diante das declarações perturbadoras de Bolsonaro sobre mudança global do clima, Nações Unidas, direitos humanos, tortura, entre outros temas, e de seus ataques à imprensa, o embaixador estrangeiro de um dos principais parceiros comerciais do Brasil observou recentemente: “Bolsonaro precisa muito de um forte ministro das Relações Exteriores para ajudar a moderar tudo isso.” Até pouco tempo atrás, o Brasil se projetava como democracia multiétnica que apoiava o sistema multilateral, despertando boa vontade lá fora – o chamado“ soft power”. Com a entrada de Bolsonaro em cena, porém, “é improvável que o Brasil tenha muito apelo no exterior e tampouco ofereça razões para os parceiros diplomáticos se alinharem com o país”, escreve Harold Trinkunas, da Universidade Stanford.
Na semana passada, diplomatas estrangeiros começaram a pressionar ativamente caciques no Congresso Nacional para alertá-los de que várias propostas de Bolsonaro – por exemplo, em relação à mudança global do clima e ao desmatamento – já estão causando forte repúdio internacional. Alguns chegaram a ventilar a hipótese de boicote à soja brasileira em seus respectivos mercados. Também lembraram que, enquanto Bolsonaro e seus filhos chamam de farsa a mudança do clima, praticamente toda a comunidade internacional a considera uma ameaça geopolítica urgente. O embaixador chinês fez corpo-a-corpo em Brasília para garantir que Bolsonaro parasse de criticar publicamente os investidores do país asiático, e diplomatas do Oriente Médio chamaram a atenção para o fato de que a transferência da embaixada do Brasil em Israel del Tel Aviv para Jerusalém poderia prejudicar as relações comerciais com o mundo muçulmano.
Algumas dessas iniciativas já tiveram impacto. Depois que o Egito cancelou a visita do chanceler brasileiro Aloysio Nunes, durante a qual ele planejava discutir a expansão do comércio bilateral, Bolsonaro respondeu que a decisão sobre Jerusalém não era definitiva. O presidente eleito também parece ter interrompido suas críticas à China e já recuou da ideia de tirar o Brasil do Acordo de Paris.
No entanto, nada disso altera o fato de que Bolsonaro será uma pedra no sapato da diplomacia brasileira, e o ministro das Relações Exteriores terá de se virar em mil para reduzir os danos que o presidente eleito já fez e poderá continuar fazendo à reputação e aos interesses do Brasil ao longo dos próximos anos.
Será preciso operar em duas frentes.
Primeiramente, terá de convencer Bolsonaro a mudar de opinião sobre uma série de questões fundamentais da política externa. O mais importante é deixar claro que seguir o exemplo de Trump e rejeitar a ordem internacional multilateral será muito mais prejudicial para o Brasil do que tem sido para os Estados Unidos. A razão é simples: Washington pode se dar a esse luxo porque provê acesso a um mercado consumidor gigantesco e a atraentes benefícios, como segurança marítima, a moeda de reserva global e proteção militar a muitos países. A maioria dos líderes políticos discorda do comportamento de Trump, mas não tem a opção de não trabalhar com ele.
O Brasil, em contrapartida, tem muito menos a oferecer ao mundo. O custo para outras nações de reduzir os laços com o país, portanto, é bem menos elevado. Além disso, o Brasil é muito mais dependente de regras e normas internacionais do que os Estados Unidos. Para Bolsonaro, ter Washington como forte aliado pode parecer suficiente, mas seu chanceler deve lhe mostrar que, historicamente, os governos latino-americanos que esperavam muitos benefícios do alinhamento automático aos EUA ficaram, geralmente, de mãos vazias – e isso em uma era de presidentes muito mais previsíveis que Trump.
O que Bolsonaro talvez não perceba é que, em Washington, o tema Brasil ocupa pouco mais do que um nicho, raramente discutido por políticos influentes. Não chega a ser uma das dez principais preocupações da política externa dos Estados Unidos, a qual gira em torno da China, do Oriente Médio, da Rússia e dos imigrantes. “Os latino-americanos em geral tendem a superestimar sua importância em Washington”, me disse recentemente um veterano lobista, atuante na capital norte-americana. “Aqui, discutimos o Brasil com a mesma frequência e interesse que vocês em Brasília discutem o Peru.” Ao escrever sobre as propostas de Bolsonaro, Trinkunas observa que “depender de uma administração mercurial como a de Trump não parece oferecer garantia confiável para os interesses nacionais brasileiros.”
A segunda estratégia, igualmente desafiadora para o próximo chanceler, envolverá desestimular o interesse do presidente pelas questões de política externa. Para isso, terá de criar obstáculos burocráticos quando Bolsonaro oferecer soluções precipitadas, tentar adiar ad aeternum a implementação de propostas absurdas e convencer os interlocutores estrangeiros de que há significativa diferença entre a retórica presidencial e a política externa de fato.
Três conselheiros de Trump deveriam servir de inspiração para o futuro chanceler brasileiro: Gary Cohn, o general H.R. McMaster e o general James Mattis, os quais, com algum êxito, conseguiram conter os ímpetos do presidente americano no âmbito da política externa. Essa é uma tarefa ingrata: Cohn e McMaster já deixaram o governo, e Mattis parece estar de saída, todos com a reputação pessoal arranhada devido à associação com Trump. Ainda assim, valerá o esforço. Uma política externa confiável e construtiva, cuidadosamente construída ao longo de décadas, é um ativo brasileiro que merece ser preservado tanto quanto possível.