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Racha entre democratas favorece reeleição de Trump (EL PAÍS)

 

Tensão entre ala radical e ala moderada do Partido Democrata compromete o projeto de derrotar o atual presidente nas eleições presidenciais de novembro

https://brasil.elpais.com/opiniao/2020-02-11/racha-entre-democratas-favorece-reeleicao-de-trump.html

OLIVER STUENKEL
11 FEB 2020 – 11:15BRT

A semana passada foi uma das melhores para Donald Trump desde que assumiu a presidência pouco mais de três anos atrás. Recém-absolvido pelo Senado depois de sofrer impeachment no Congresso, Trump mostrou que controla firmemente o Partido Republicano. Apenas um senador republicano, Mitt Romney, teve a coragem de afirmar o óbvio: o presidente americano cometeu abuso de poder ao usar seu cargo para obter ganhos pessoais quando pressionou o presidente ucraniano a investigar o filho de Joe Biden, um dos seus potenciais rivais nas eleições em novembro. A decisão do Senado de nem sequer convidar testemunhas para depor antes de absolver o presidente foi um sinal para Trump de que ele já não tem praticamente nada a temer, mesmo se for revelado que praticou outras violações. Nunca antes, os famosos checks and balances ― freios e contrapesos no sistema político americano ― ficaram tão enfraquecidos: os Estados Unidos deram mais um largo passo em direção à presidência imperial, para usar o conceito cunhado pelo historiador Arthur Schlesinger.

Nada disso parece ter afetado a imagem de Trump. Uma pesquisa da Gallup revela que 49% dos americanos aprovam o presidente, uma das porcentagens mais elevadas desde que assumiu. (De acordo com uma pesquisa da Reuters, 42% o aprovam, e uma outra do Economist/YouGov mostra uma taxa de aprovação de 41%). Trump sabe que, desde a Segunda Guerra Mundial, apenas 3 dos 12 presidentes que buscaram a reeleição a perderam: Gerald Ford em 1976; Jimmy Carter em 1980; e George H. W. Bush em 1992. Com os EUA em situação econômica sólida, Trump é o grande favorito para a reeleição em 3 de novembro.

É visível a angústia entre os estrategistas democratas. Ainda que o desfecho do processo de impeachment já fosse esperado, ele produziu um espécie de estado de choque na oposição. Muitos temem uma escalada autoritária caso Trump seja reeleito e acreditam que um novo mandato do republicano reverteria os avanços no campo social alcançados nas últimas décadas, como a legalização do aborto. Entre os integrantes das campanhas democratas, muitos preveem que o atual presidente, empoderado pela reeleição, adotará posturas mais radicais no segundo mandato ― como aconteceu com os autocratas Chávez, Erdogan e Orban, na Venezuela, Turquia e Hungria, respectivamente.

No entanto, a principal razão para o favoritismo de Trump em novembro não é sua capacidade de controlar seu partido (no qual diversas lideranças expressam, em off, vergonha ao comentar a atuação do presidente), nem a situação econômica estável dos EUA. A principal vantagem do empresário e ex-estrela de televisão é uma oposição tão dividida que tem fracassado ao apresentar uma estratégia coerente sobre como vencer Trump daqui a nove meses. O Partido Democrata está profundamente dividido entre uma ala progressista; que acredita haver falhas no sistema político e econômico americano, o qual requer ajustes profundos; e uma ala centrista, que enxerga o fenômeno Trump como uma aberração e sonha com o retorno aos dias de Obama.

A ala progressista, liderada por Bernie Sanders, Alexandria Ocasio-Cortez e Elizabeth Warren, mobiliza o eleitor jovem e urbano, porém se mostra distante do eleitor suburbano, que teme mudanças radicais e já votou tanto nos republicanos quanto nos democratas. A ala centrista, por sua vez, tendo à frente Joe Biden e Pete Buttigieg, ainda profundamente influenciados pelas ideias de Barack Obama, apresenta-se atraente para o eleitor suburbano que já votou em Trump — fatia valiosa do eleitorado —, mas tem dificuldade em mobilizar jovens progressistas nas cidades, muitos dos quais ficaram em casa quando Trump derrotou Hillary Clinton.

O melhor exemplo dessa divisão é Pete Buttigieg, que teve desempenho surpreendente na primária de Iowa. É o primeiro candidato à presidência dos EUA abertamente homossexual com chances reais de levar a nomeação. Tem apoio relevante entre centristas, mas atrai pouca simpatia de apoiadores da ala radical do Partido Democrata. De fato, talvez seja o candidato mas odiado entre os progressistas. Estes o enxergam como um representante pouco disfarçado da velha elite, que acumulou poder excessivo no sistema político americano. Nesse sentido, o fato de Buttigieg ter estudado em Harvard e trabalhado na empresa de consultoria McKinsey tem impacto negativo em sua imagem perante esta ala.

Apenas pouco mais da metade dos apoiadores de Sanders diz que votaria em qualquer outro candidato democrata na eleição geral. Se todos os apoiadores de Sanders nas primárias de 2016 tivessem apoiado Hillary Clinton na eleição geral contra Trump, ela seria presidente hoje. Pertencessem ao sistema político brasileiro ou à maioria dos sistemas europeus, as duas alas do Partido Democrata americano seriam dois partidos diferentes. Nesse contexto, torna-se menos relevante o atual debate no Partido Democrata sobre qual deve ser seu candidato, se um representante da ala de Sanders ou um da ala de Biden e Buttigieg. Afinal, do ponto de vista eleitoral, a única chance para o Partido Democrata retomar a Casa Branca é escolher um candidato suficientemente inspirador para produzir a mobilização eleitoral necessária entre progressistas em centros urbanos e, ao mesmo, que não seja radical demais de maneira a atrair o eleitor suburbano nos dez estados competitivos — aquele que já votou em Bill Clinton, George Bush, Barack Obama e, quatro anos atrás, em Donald Trump. A menos que o candidato principal do Partido Democrata na convenção de julho tenha este perfil ― como Barack Obama em 2008 ―, os democratas terão pouca chance de vitória. Serão, então, mais quatro anos de Trump na Casa Branca.

SOBRE

Oliver Stuenkel

Oliver Della Costa Stuenkel é analista político, autor, palestrante e professor na Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Ele também é pesquisador no Carnegie Endowment em Washington DC e no Instituto de Política Pública Global (GPPi) ​​em Berlim, e colunista do Estadão e da revista Americas Quarterly. Sua pesquisa concentra-se na geopolítica, nas potências emergentes, na política latino-americana e no papel do Brasil no mundo. Ele é o autor de vários livros sobre política internacional, como The BRICS and the Future of Global Order (Lexington) e Post-Western World: How emerging powers are remaking world order (Polity). Ele atualmente escreve um livro sobre a competição tecnológica entre a China e os Estados Unidos.

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