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Com Trump acuado, Brasil precisa de Plano B (Valor Econômico)

 

Uma recessão provocada pelo vírus mudaria totalmente o cenário eleitoral
Por Oliver Stuenkel

17/03/2020 05h01

https://valor.globo.com/opiniao/coluna/com-trump-acuado-brasil-precisa-de-plano-b.ghtml

“Acredito piamente na reeleição de Donald Trump”, anunciou Jair Bolsonaro durante sua primeira visita à Casa Branca, em março de 2019. Em viagem recente à Flórida, o chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, afirmou que a reeleição de Trump garantiria a continuidade da relação bilateral, peça-chave da estratégia de política externa do governo Bolsonaro. Até muito recentemente, o otimismo do mandatário brasileiro e de seu ministro se baseava em evidências concretas. Uma performance sólida da economia americana, recordes frequentes na bolsa de valores de Nova Iorque e o racha entre as duas alas do Partido Democrata explicavam o claro favoritismo de Trump para as eleições em novembro.

Nem o impeachment parecia afetar seu controle sobre o partido Republicano, sua taxa de aprovação se mantinha razoável e muitos democratas já pareciam se resignar a encarar mais quatro anos de Trump. Afinal, desde a Segunda Guerra Mundial, nove dos doze presidentes que buscaram a reeleição saíram vitoriosos. Com progressistas e centristas se engalfinhando nas primárias do partido Democrata, parecia que só um cisne negro – um evento altamente improvável e de grande impacto – poderia ameaçar a reeleição do presidente.

É cedo para dizer se o coronavírus pode ser descrito como tal, mas fica evidente que a epidemia tem potencial para prejudicar seriamente a imagem pública de Trump. Até agora, a resposta da Casa Branca à crise tem sido confusa, preocupando especialistas em saúde pública, e o discurso anticiência encampado pelo governo agrava essa percepção. A mídia pró-Trump promove a narrativa de que os democratas estariam exagerando o perigo, sugerindo até que a provável epidemia seja uma conspiração contra o presidente. A estratégia ainda pode dar certo, mas é uma aposta arriscada: se o número de infectados crescer muito — e tudo indica que terá um forte impacto na rotina dos cidadãos —, Trump será criticado por não ter feito o suficiente para proteger a população americana. O governo americano perdeu dois meses que poderia ter utilizado montando uma infraestrutura para mitigar os efeitos da epidemia, ajudando os hospitais a aumentarem suas alas de infectados e preparando um plano econômico para estimular a economia. Outra complicação é que, ao longo dos três últimos anos, Trump se valeu constantemente da bolsa de valores como prova do desempenho de seu governo, e uma queda mais longa e acentuada de Wall Street pode prejudicá-lo.

Três fatores sugerem que o vírus se espalhará mais rapidamente nos EUA do que em outros países. O primeiro é que um quarto dos trabalhadores americanos não tem direito a licença saúde remunerada, e muitos continuarão trabalhando mesmo infectados, facilitando a transmissão. O segundo é que imigrantes sem documentação dificilmente buscam ajuda médica por medo de deportação. O terceiro é que Trump tem pouca disciplina para alinhar seu próprio discurso com o de sua equipe, reduzindo a capacidade do governo de articular uma estratégia clara para conter a transmissão do vírus. Fica evidente que o governo americano carece da coordenação necessária para montar uma resposta parecida com a do governo sul-coreano, que está lidando relativamente bem com a situação.

Uma recessão provocada pelo vírus mudaria o cenário eleitoral completamente. Concorrer contra o incumbente em um cenário de solidez econômica é muito difícil. Já a perspectiva de uma crise profunda poderia automaticamente poderia transformar o candidato democrata em favorito.

Uma vitória democrata teria consequências péssimas para o Governo Bolsonaro. O presidente brasileiro não apenas perderia o acesso à Casa Branca de que goza hoje como a postura dos EUA em relação ao Brasil ficaria mais parecida com a da Alemanha e França, marcada por uma hostilidade inédita contra o mandatário brasileiro. A imagem do presidente brasileiro no parlamento alemão é tão ruim que diplomatas alemães temem que não será possível ratificar o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia, que geraria grandes benefícios econômicos para a Alemanha.

Estive na Alemanha recentemente para a Conferência de Segurança de Munique — principal encontro para debates geopolíticos do mundo —, e conversei com vários estrategistas democratas. Eles garantiram que caso o partido vença as eleições, os EUA passariam a ter uma postura mais dura em relação ao Brasil, sobretudo em função da política ambiental brasileira, mas também no âmbito dos Direitos Humanos. Os EUA não apenas voltariam a fazer parte do Acordo de Paris como buscariam liderar o combate global contra as mudanças climáticas. Um deles chegou a dizer que o país se tornaria o “enforcer-in-chief” –grande fiscal internacional — para pressionar os vilões climáticos. Mesmo se as coisas não chegarem a esse nível, o Governo Bolsonaro estaria diante um enorme risco de isolamento diplomático no Ocidente. Sem uma mudança radical na política ambiental, o Brasil ficaria diplomaticamente ainda mais afastado no Ocidente, dependendo cada vez mais dos seus parceiros do BRICS.

Diante da situação inédita causada pelo coronavírus, é impossível fazer previsões confiáveis sobre as eleições americanas que ocorrerão daqui a sete meses, e seria cedo afirmar que Trump não possa superar a atual crise pela qual os EUA estão passando. Porém, o governo brasileiro precisa começar a reconhecer que sua maior aposta no âmbito externo — uma aliança com o presidente Trump — corre o risco de se desmanchar no ar. Querer se aproximar de Trump, que é visto como pouco confiável mesmo pelos principais aliados dos EUA, sempre foi uma ideia controversa, e poucos se surpreenderam quando, em dezembro do ano passado, o presidente americano anunciou a retomada das tarifas de aço e alumínio do Brasil sem aviso prévio a Bolsonaro, em um gesto de desdém com a inevitável humilhação que isso representaria para o presidente brasileiro. Porém, mesmo quem acredita na parceria deve reconhecer que está na hora de o governo brasileiro pensar seriamente em como uma vitória democrata nos EUA afetaria não apenas a relação bilateral, mas o papel do Brasil no cenário internacional como um todo.

Oliver Stuenkel é professor da Escola de Relações Internacionais da FGV em São Paulo

SOBRE

Oliver Stuenkel

Oliver Della Costa Stuenkel é analista político, autor, palestrante e professor na Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Ele também é pesquisador no Carnegie Endowment em Washington DC e no Instituto de Política Pública Global (GPPi) ​​em Berlim, e colunista do Estadão e da revista Americas Quarterly. Sua pesquisa concentra-se na geopolítica, nas potências emergentes, na política latino-americana e no papel do Brasil no mundo. Ele é o autor de vários livros sobre política internacional, como The BRICS and the Future of Global Order (Lexington) e Post-Western World: How emerging powers are remaking world order (Polity). Ele atualmente escreve um livro sobre a competição tecnológica entre a China e os Estados Unidos.

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