Oliver Stuenkel*, O Estado de S.Paulo
28 de setembro de 2021 | 05h00
Atualizado 28 de setembro de 2021 | 10h56
Angela Merkel, uma das principais defensoras do Brasil na UE, sempre enfatizou a importância da ratificação de um acordo comercial entre o bloco europeu e o Mercosul, mesmo frente às crescentes críticas em relação à política ambiental do País. O novo governo alemão, provavelmente, incluirá um partido decididamente pró-livre comércio, o FDP, que certamente se posicionará a favor da ratificação. Mas os dois outros partidos que podem compor a coalizão – os verdes e o SPD – têm se mostrado céticos em relação ao governo brasileiro. Uma posição como a de Merkel, portanto, é cada vez menos provável, e a chance de uma ratificação depois dessa eleição é ainda menor do que era antes.
Em um governo social-democrata, com forte participação do Partido Verde, a questão ambiental se torna um fator estruturante da atuação política alemã. Isso, provavelmente, dificultará a adesão do Brasil à OCDE, o que atrairia investimentos de fora. Também tornará as questões climáticas mais visíveis no debate público alemão, aumentando a visibilidade dos problemas ambientais brasileiros. A reputação do Brasil na Alemanha pode sofrer mais, com consumidores organizando boicotes contra produtos brasileiros, como no passado, sempre que a temática ecológica e o desmatamento da Amazônia ganham destaque no debate internacional. É importante lembrar que, quando o Brasil foi criticado pelos franceses, quem baixou a temperatura foi Merkel – o que esse novo governo não parece disposto a fazer.
O melhor cenário para o Brasil teria sido a formação de um governo entre conservadores e liberais, grupos que, por razões geopolíticas e comerciais, a princípio, estão a favor de ratificar o acordo comercial com o Mercosul. O crescimento da AfD, partido mais próximo do presidente Jair Bolsonaro do ponto de vista ideológico, também teria sido um ponto positivo. Mas isso não aconteceu. A AfD viu seu número de votos cair, em comparação com 2017, e foi punida por sua posição negacionista durante a pandemia, o que indica a continuidade de um consenso na política alemã de que há pouco espaço para colaboração com o governo Bolsonaro.
O pior cenário, por outro lado, teria sido um governo liderado pelo Partido Verde e apoiado exclusivamente pelo SPD. Ambos demonstram um forte ceticismo tanto em relação ao acordo comercial quanto em relação ao governo brasileiro, em termos mais gerais. Vale lembrar que Martin Schulz, ex-líder do SPD, e candidato nas últimas eleições, visitou Lula na prisão em 2018. O partido tem laços históricos com o PT. E o Partido Verde alemão tem laços com a sociedade civil brasileira, especificamente com movimentos ambientalistas no Brasil.
A comunidade empresarial alemã tem uma longuíssima relação com o Brasil. Entre eles, há também uma preocupação em relação ao cenário político do País, mas há a percepção de que Bolsonaro é um fenômeno passageiro, que a relação bilateral é algo importante a ser preservado. Muitas empresas alemãs estão no Brasil há décadas. Não é um mercado do qual sairão por causa de uma crise política. Há, também, o fato de que resta menos de um ano para as eleições no Brasil. A tendência é que o novo governo assuma uma posição mais neutra, adotando o que se chama na diplomacia de “esperar para ver o que vai acontecer”. Se Bolsonaro perder a eleição, haverá muito mais espaço para uma reaproximação e para retomar essa agenda ambiciosa, articulada entre os dois países, que envolve parceria estratégica, visita de gabinetes, retomada do Fundo Amazônia e um possível apoio alemão à adesão brasileira à OCDE.