anais da desglobalização
GUERRA, FOME E INSURREIÇÃO
Aumento do custo de alimentos e energia reduzirá taxas de aprovação de governos e provocará descontentamento ao redor do mundo
Oliver Stuenkel
03 maio 2022_04h00
https://piaui.folha.uol.com.br/guerra-fome-e-insurreicao/
Com a guerra na Ucrânia entrando em seu terceiro mês, vai se evidenciando que o cenário mais provável não é de negociações que levarão à paz e ao fim do conflito. Pelo contrário, a perspectiva é de impasse militar e prosseguimento das hostilidades – com a Rússia controlando a Crimeia e parte do Donbass, enquanto Kiev controla o resto do território ucraniano. Simplesmente não há, nas circunstâncias atuais, uma proposta aceitável para todos os lados envolvidos. Ceder território ucraniano aos russos é inaceitável para Kiev porque representaria uma concessão à agressão de Moscou e poderia até incentivar futuros ataques. A retirada total de tropas russas da Ucrânia, por outro lado, é politicamente inviável para Putin, pois formalizaria sua derrota em um conflito que já matou milhares de soldados russos, humilhação que poderia levar à sua queda. Tudo indica que a guerra, cujo início remonta ao ano de 2014, quando Putin decidiu invadir a Crimeia, veio para ficar, com vastas consequências para a economia e a política globais.
Mesmo que a Rússia surpreendesse o mundo ao anunciar o fim imediato da invasão e a promessa de respeitar a soberania ucraniana – cenário altamente improvável –, as piores consequências globais do conflito no Leste Europeu ainda estariam por vir. Isso porque o choque econômico que provocou – rompendo laços econômicos entre a Rússia, um dos principais exportadores de gás, petróleo, fertilizantes e trigo de um lado, e o Ocidente, o maior bloco econômico do mundo, do outro — é praticamente irreversível. A decisão de governos europeus de desenvolver, ao longo das últimas décadas, estreitos laços econômicos com a Rússia e acreditar que uma relação de dependência mútua evitaria uma guerra é hoje vista como um dos maiores erros estratégicos em décadas. Pode demorar anos ou mesmo décadas até que algum futuro líder europeu queira convencer seus eleitores de que vale a pena voltar a depender da energia russa. Governos ocidentais importarão energia de outros lugares, mesmo pagando mais caro.
Enquanto o noticiário ainda se concentra no impacto imediato da guerra na Europa do Leste – as batalhas na região de Donbass, a destruição das cidades ucranianas e a chegada de milhões de refugiados na União Europeia –, o conflito já se tornou um evento de consequências…