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Líderes da esquerda podem não chegar a acordo na cúpula na Argentina (Estadão)

Por Oliver Stuenkel

Atualização: 
Várias tentativas não avançaram, pois dependem do alinhamento ideológico entre potências da região
SÃO PAULO — A próxima cúpula internacional da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), que começou nesta terça-feira, 25, em Buenos Aires, marca o retorno do Brasil ao palco diplomático latino-americano após uma ausência de quatro anos e sinaliza o ressurgimento do eixo Argentina-Brasil na política regional.

A reunião promete ser tudo menos trivial. Ainda que sozinho o Brasil não seja capaz de liderar iniciativas regionais, virtualmente nenhuma ação significativa na região pode prosperar sem o apoio efetivo do Brasil — detentor de cerca de um terço do PIB total da América Latina.

Com o Brasil de Bolsonaro quase completamente isolado na região ao longo dos últimos anos, a cooperação regional — ou até mesmo um simples diálogo entre líderes — ficou paralisada, apesar das tentativas do México de preencher o vazio. Seja o combate ao desmatamento, seja a promoção da integração física, seja o debate conjunto sobre a posição da América Latina diante de crises em países como Venezuela e Bolívia, o espaço para um diálogo regional construtivo tem sido extremamente limitado desde 2019. A decisão de Lula de não comparecer ao Fórum Econômico Mundial, em Davos e, em vez disso, ir a Buenos Aires reflete o comprometimento genuíno do Brasil em reconstruir as relações com a vizinhança.

Mesmo quando contaram com o apoio ativo do Brasil, várias tentativas passadas de promover cooperação regional tiveram vida curta — em parte porque dependiam do alinhamento ideológico entre as maiores potências da região. De fato, a Celac, uma plataforma regional de 33 membros, fundada em 2011 como alternativa à Organização dos Estados Americanos (OEA), com forte ênfase na soberania nacional, produziu poucos resultados concretos ao longo da década passada, marcada por estagnação econômica e instabilidade política frequente. Críticos afirmam que, acima de tudo, a Celac ajudou a prover um escudo diplomático a líderes autoritários como Daniel Ortega e Nicolás Maduro e contribuiu para a erosão das normas democráticas na região.

Da mesma maneira, a própria Celac dificilmente tem muito a oferecer para a resolução dos numerosos problemas que assolam a região — incluindo a insurreição massiva no Peru, o colapso político no Haiti, a crise profunda na Bolívia e a escalada autoritária na América Central. Por exemplo, os governos da região divergem fundamentalmente a respeito de quem culpar pelo atual caos no Peru. Enquanto líderes de Brasil, Argentina e Chile descreveram a remoção de Castillo como uma manobra constitutional, os presidentes de Venezuela, Colômbia, Nicarágua e México ficaram do lado do presidente deposto, causando uma crise diplomática entre México e Peru e levando o Congresso peruano a criticar México e Colômbia por interferirem nos assuntos internos do país. O Peru está considerando suspender as relações diplomáticas com a Bolívia e proibiu o ex-presidente boliviano Evo Morales de entrar no país, acusando-o de incitar agitação na região da fronteira. O atual presidente da Bolívia, por sua parte, está tentando apaziguar a situação na província de Santa Cruz.

O que fica claro a partir dessas discórdias é a diferença aguda entre as visões de mundo dos líderes moderados de esquerda no Chile e no Brasil, de um lado, e das lideranças mais radicais, em países como México, Venezuela e Nicarágua, de outro. Essas discrepâncias podem apresentar um impedimento incontornável para uma cooperação mais ampla. A própria declaração da cúpula da Celac deverá ser genérica, exceto por uma provável condenação aos ataques contra as sedes dos Três Poderes no Brasil, em 8 de janeiro.

No entanto, apesar de todas as diferenças e do impacto questionável da Celac, a cúpula na capital argentina é boa notícia para a região. O desejo dos líderes latino-americanos de manter um fórum regional separado da OEA é compreensível. E o evento criará oportunidades para numerosas reuniões bilaterais entre presidentes que se encontram pela primeira vez.

À exceção de Lula, virtualmente todos os líderes eleitos democraticamente são presidentes em primeiro mandato, que, em parte graças à pandemia, têm experiência internacional bastante limitada. As relações entre a América do Sul e o Caribe, em particular, permanecem distantes demais. Além disso, a cúpula deverá testemunhar o surgimento de iniciativas diplomáticas “unilaterais” ou bilaterais, ou de ideias a serem perseguidas separadamente. Por exemplo, Brasil e Argentina deverão anunciar uma série de medidas para impulsionar a integração econômica entre os países, particularmente no setor de energia. Além disso, os formatos UE-Celac e Celac-China são plataformas úteis para promover o debate a respeito do lugar da América Latina no mundo e sua relação com dois parceiros estrategicamente vitais.

Dada a ainda dominante dinâmica antigovernista na América Latina, porém, a reunião em Buenos Aires também deverá ser a última oportunidade de vários presidentes se encontrarem. Em função das atuais dificuldades econômicas da Argentina, parece improvável Alberto Fernández conquistar outro mandato em outubro. No Peru, a presidência de Dina Boluarte está por um fio.

Finalmente, é digna de nota a rusga entre Nicarágua e Argentina sobre qual dos países deve presidir a Celac no próximo ano. Após o governo de Fernández criticar abusos contra direitos humanos na Nicarágua, Daniel Ortega recusou-se a apoiar a tentativa argentina de presidir a Celac por dois anos consecutivos (o mandato argentino termina neste ano). Já que as decisões da Celac exigem unanimidade — regra que, na prática, dá poder de veto a todos os seus integrantes —, cisões políticas provavelmente continuarão a limitar a capacidade do bloco de aprofundar a integração regional.

 

SOBRE

Oliver Stuenkel

Oliver Della Costa Stuenkel é analista político, autor, palestrante e professor na Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Ele também é pesquisador no Carnegie Endowment em Washington DC e no Instituto de Política Pública Global (GPPi) ​​em Berlim, e colunista do Estadão e da revista Americas Quarterly. Sua pesquisa concentra-se na geopolítica, nas potências emergentes, na política latino-americana e no papel do Brasil no mundo. Ele é o autor de vários livros sobre política internacional, como The BRICS and the Future of Global Order (Lexington) e Post-Western World: How emerging powers are remaking world order (Polity). Ele atualmente escreve um livro sobre a competição tecnológica entre a China e os Estados Unidos.

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