Tentativa brasileira de viabilizar visita do líder russo desvia atenção da agenda de prioridades do governo brasileiro
A cúpula dos líderes do G20 no Rio de Janeiro em novembro é uma oportunidade histórica para o governo brasileiro pautar a agenda global e se projetar como ator-chave na busca de soluções aos desafios mais complexos da atualidade, como as mudanças climáticas, a fome e a necessidade de reformar as instituições internacionais, muitas das quais ainda não se adequaram ao mundo multipolar do século 21. Nas três áreas, definidas como prioritárias pelo governo brasileiro durante sua presidência do G20, ações concretas são mais urgentes do que nunca.
Dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) indicam que em torno de 750 milhões de pessoas passam fome no mundo, produzindo sofrimento humano em grande escala, o que eleva permanentemente o risco de instabilidade geopolítica e crises migratórias. No âmbito climático, o mundo requer passos muito mais incisivos para evitar que o aumento das temperaturas e eventos climáticos extremos tornem regiões como o Oriente Médio inabitáveis ao longo das próximas décadas. Ao mesmo tempo, implementar reformas na governança global é prioritário. Afinal, é inadmissível, por exemplo, que, oitenta anos depois de sua fundação, o Fundo Monetário Internacional ainda não tenha sido liderado por uma pessoa não europeia. Da mesma forma, a composição do Conselho de Segurança da ONU é um reflexo do mundo de 1945 e não de 2024, comprometendo seriamente a legitimidade de suas decisões.
No entanto, uma discussão que vem se arrastando desde o ano passado tem o potencial de desviar a atenção da cúpula: se o presidente russo, Vladimir Putin, virá ao encontro na capital fluminense ou se será representado por seu ministro das Relações Exteriores, como foi o caso nas últimas duas cúpulas do G20 (em 2022, na Indonésia, e em 2023, na Índia). No ano passado, o Tribunal Penal Internacional (TPI) emitiu um mandado de prisão contra Putin pelo suposto sequestro de milhares de crianças ucranianas no contexto da invasão russa ao país vizinho e, como signatário do Estatuto de Roma, tratado internacional que estabeleceu o TPI, o Brasil em princípio teria a obrigação de prender o presidente russo. Esse cenário é meramente hipotético – afinal, a não ser que Putin receba uma garantia brasileira de que não será detido, ele não viajará ao Rio de Janeiro. Diante do mesmo dilema, o governo sul-africano, igualmente signatário do Estatuto, optou por “desconvidar” Vladimir Putin da cúpula do BRICS que a África do Sul sediou no ano passado. Como declarou, na época, o ex-presidente sul-africano Thabo Mbeki: “Não podemos dizer ao presidente Putin, ‘por favor, venha à África do Sul’ e depois prendê-lo. Ao mesmo tempo, não podemos…