Uma das democracias mais consolidadas do mundo oferece uma série de lições sobre como não cair na tentação do ‘nós contra eles’
Em 24 de novembro, eleitores uruguaios irão às urnas para escolher, no segundo turno, seu próximo presidente. O cenário eleitoral no Uruguai se destaca em meio a uma tendência mundial de polarização crescente e cada vez mais destrutiva. Ao contrário do que se observa em numerosos países, os dois candidatos que chegaram ao segundo turno no Uruguai não adotam discursos radicais, não representam uma ameaça às instituições democráticas e não veem o adversário como inimigo, mas como oponente político legítimo dentro de uma das democracias mais sólidas do mundo – que costuma, nos rankings de democracia, aparecer à frente de países como o Reino Unido, a França, e muito adiante dos EUA.
Enquanto a vitória do “outro lado” é vista, por milhões de eleitores em países como os Estados Unidos, a Índia, o Brasil e a Argentina, como uma catástrofe, os uruguaios não terão dificuldades para aceitar o resultado das urnas. Atitudes como contestar o desfecho das eleições, incitar a violência contra opositores ou brigar com familiares e amigos devido a visões políticas distintas são raras no país. O Uruguai apresenta baixos níveis de polarização tanto na dimensão ideológica – caso de grupos (líderes ou eleitores) se movendo para posições extremas – quanto na dimensão emocional — sentimentos negativos em relação a grupos opositores.
Apesar de não haver consenso entre os especialistas sobre as causas da polarização, o crescimento das redes sociais – que leva as pessoas a viverem em “bolhas ideológicas” ou “câmaras de eco”, dentro das quais todos pensam da mesma forma –, a crise de confiança nas instituições democráticas e uma crescente hostilidade à elite política, bem como líderes que buscam fomentar a polarização para vencer eleições ou enfraquecer a democracia, podem explicar o fenômeno. Outros apontam para a instabilidade econômica como uma possível causa, apesar de haver numerosos casos de países que se polarizaram em cenários econômicos estáveis ou até positivos, como os EUA, a Índia, a Polônia e a Hungria. Outra hipótese é de que eleitores inseguros, frustrados e em busca de algum tipo de pertencimento são mais vulneráveis à retórica ‘nós contra eles’, que, em um cenário cada vez mais confuso e imprevisível, finge oferecer certeza ao dividir a sociedade – e o mundo – entre bem e o mal.
Uma das hipóteses que se ouve frequentemente para explicar por que o Uruguai “deu certo” é a menos plausível: de que, supostamente, a estabilidade política uruguaia se deve à homogeneidade da sociedade e sua população pequena, de apenas 3.4 milhões. Afinal, países podem ser pequenos e polarizados (como Honduras), homogéneos e polarizados (como Hungría) ou heterogêneos sem muita polarização (como Cingapura). Além disso, vale notar que o tom civilizado que domina a política uruguaia hoje não caiu do céu. Foi arduamente construído depois da redemocratização na década de 1980 – e requer cuidados constantes para ser preservado. Por exemplo, é comum ver políticos, adversários ideológicos, cultivarem publicamente a amizade um do outro e comparecerem na posse de seus rivais, servindo como exemplo para a sociedade.
Outra hipótese aponta para a distribuição de renda e o funcionamento das instituições. Como o Banco Mundial avalia: “O Uruguai se destaca na América Latina por ser uma sociedade igualitária, com (..) baixos níveis de desigualdade.” Salienta ainda que “sua classe média é a maior da América Latina, representando mais de 60% da população.” Brian Winter, jornalista que viajou ao Uruguai em busca de lições que o país possa oferecer aos outros, cita o sistema público de saúde, e seguro-desemprego e recursos para o cuidado de crianças e idosos. Outro fator podem ser os baixos níveis de corrupção – apesar de alguns escândalos recentes – que explicam os índices mais elevados de confiança nas instituições públicas, inclusive na Justiça.
Winter também relata a forma ativa com a qual muitos uruguaios fazem parte da sociedade civil – seja de clubes, seja partidos políticos, seja de movimentos sociais – assim fortalecendo a coesão e confiança social. Quando morei, há vinte anos, em Montevidéu, um grupo de vizinhos me convenceu a frequentar uma pelada semanal, apesar de eu alertá-los de que carecia de habilidades básicas de futebol. Logo no primeiro encontro, perceberam que eu não tinha exagerado. Mas, no espírito de inclusão, virei goleiro suplente, e sempre fizeram questão de me colocar em campo no fim dos jogos, quando a partida já estava decidida.
A principal lição que o Uruguai oferece, portanto, talvez seja a de que superar a polarização não requer apenas uma elite política moderada capaz de liderar pelo exemplo, mas também instituições e políticas públicas que reduzam a demanda popular por líderes polarizadores.