A volta de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos pode minar o sistema multilateral construído no pós-Segunda Guerra Mundial. Esta é a avaliação do cientista político Oliver Stuenkel, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), que vê na postura “isolacionista” e protecionista do republicano um fator desestabilizador para a governança global e para a política externa de diversos países, incluindo o Brasil.
Em entrevista ao Valor, Stuenkel argumenta que Trump tem o potencial de ser “o coveiro” da ordem internacional dos últimos 75 anos. O presidente norte-americano já deu sinais claros de que pode reduzir ainda mais o engajamento dos EUA com instituições multilaterais, como a ONU e o G7, além de ameaçar rever os termos da Otan.
Segundo Stuenkel, essas mudanças forçariam países ao redor do mundo a repensar suas estratégias de segurança e governança global, com consequências diretas para a estabilidade internacional.
Os reflexos dessa postura já são visíveis e o Brasil não está imune. Stuenkel observa que a administração Lula tem adotado uma estratégia pragmática para lidar com as decisões de Trump, evitando confrontos diretos e buscando minimizar desgastes diplomáticos. Casos recentes, como a crise envolvendo a deportação de brasileiros dos EUA e a taxação do aço, exemplificam essa abordagem. “O Brasil está agindo bem ao querer ficar longe dos holofotes”, diz Stuenkel, ressaltando que, por ora, a relação bilateral não é uma prioridade para Washington.
Na entrevista, Stuenkel também analisa como o Brasil pode ser afetado pelas políticas unilaterais de Trump em relação ao comércio e ao clima. Além disso, vê um cenário de incerteza para a COP30, que será realizada em Belém em novembro, caso os EUA abandonem novamente o Acordo de Paris.
Leia abaixo trechos da entrevista ao Valor.
Valor: Por que Trump ataca tanto o multilateralismo?
Oliver Stuenkel: É importante lembrar que Trump discorda dos principais pilares do sistema internacional pós-Segunda Guerra Mundial e, sobretudo, pós-Guerra Fria. No sentido da abertura comercial. Porque ele acha que os EUA são os grandes perdedores dessa ordem, enquanto a avaliação consensual tem sido que os EUA são os maiores beneficiados desse sistema. Além disso, ele discorda dos compromissos de segurança que os EUA têm ao redor do mundo: ele tem uma postura mais isolacionista. E, em terceiro lugar, não possui nem sequer na retórica o compromisso de fortalecer a democracia ou de priorizar sempre que possível relações com regimes democráticos. Ele sempre teve essa postura e isso terá uma série de consequências profundas diante da relevância dos EUA para sustentar esse regime.