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Países em desenvolvimento subestimam impacto desestabilizador do novo presidente dos EUA
Em vários sentidos, a volta de Donald Trump à Casa Branca é uma péssima notícia para países em desenvolvimento. A retórica agressiva e o desprezo pelo Sul Global do mandatário dos EUA, evidenciado por declarações como a infame “shithole countries” (algo como “países de m…), indicam um período de relações diplomáticas tensas. O desmantelamento da agência dos EUA para o desenvolvimento (USAID) já coloca em risco a vida de milhões de pessoas em países extremamente pobres. O descompromisso com pautas ambientais e a saída de organismos como a Organização Mundial da Saúde (OMS) têm o potencial de produzir efeitos devastadores, prejudicando a cooperação internacional em áreas críticas, como a saúde pública. A suspensão temporária da ajuda militar dos EUA à Colômbia, por exemplo, compromete operações do país contra guerrilheiros e narcotraficantes, com possíveis consequências para a segurança de fronteira do Brasil. Uma política migratória mais restritiva pode negativamente impactar mercados de trabalho na América Latina e reduzir remessas. Os ataques de Tump a países do BRICS e à África do Sul reforçam a percepção de que seu governo será hostil ao Sul Global.
Além disso, Trump rejeita o multilateralismo e uma ordem baseada em regras, que foram, apesar de violações ocasionais, importantes para proteger a soberania e os interesses de numerosos países menores. A imposição de tarifas e a política fiscal arriscada de Trump devem contribuir para taxas de juros elevadas nos EUA, afetando desproporcionalmente países em desenvolvimento – afinal, juros altos nos EUA tornam mercados emergentes como o Brasil menos atraentes para investidores. Tudo isso ameaça colocar em xeque décadas de previsibilidade na geopolítica global e força países a se adaptarem a um cenário muito mais incerto.
No entanto, paradoxalmente, líderes e cidadãos do Sul Global demonstram menos preocupação com Trump do que seus pares na Europa. Pesquisas de opinião indicam que cidadãos do Sul Global tendem a ser mais ótimistas do que os europeus quanto ao impacto de Trump em seus países. 84% dos indianos acreditam que a eleição de Trump é positiva para a Índia, enquanto 61% da população na Arábia Saudita acreditam que sua eleição será benéfica para eles. Até no Brasil, 43% são otimistas, enquanto apenas 25% acreditam que Trump é má notícia para eles.
Parte dessa atitude pode ser explicada pela ausência de um discurso moralista em Trump, que alguns interpretam como uma abordagem mais sincera. Diferentemente de outros presidentes dos EUA ao longo do último século, ele não adota uma linguagem marcada pela virtude moral, reconhecendo francamente que os Estados…