Se a divisão social pode ser deliberadamente alimentada por alguns líderes, também pode ser combatida por meio de escolhas políticas
Uma das pesquisas de opinião mais inusitadas no último ciclo eleitoral dos Estados Unidos revelou que a maioria dos eleitores republicanos simpáticos ao movimento trumpista “Make America Great Again” (MAGA) acreditava ser Vladimir Putin – autocrata que persegue a oposição, a imprensa e controla o legislativo e o judiciário – um presidente melhor do que Joe Biden. Tal resultado, reflexo da polarização destrutiva que há anos tomou conta dos EUA, teria sido impensável durante a Guerra Fria, quando democratas e republicanos divergiam em muitas questões, mas compartilhavam a visão de que Moscou representava a principal ameaça à segurança nacional.
Desde então, os Estados Unidos passaram de uma “democracia de cidadãos” para uma “democracia de torcedores”, como observa o cientista político búlgaro Ivan Krastev. Enquanto o cidadão entende que criticar e corrigir os erros de seu próprio partido faz parte da lealdade a seus princípios e enxerga a alternância de poder como benéfica para renovar ideias e lideranças, o torcedor adota uma postura de apoio político absoluto e inquestionável. Para ele, não basta vencer; é fundamental garantir que a oposição nunca mais retorne ao poder. Nesse cenário, a vitória do adversário não é vista como parte do jogo democrático, mas como uma ameaça existencial à própria nação.
Nos dias atuais, a polarização afeta seriamente o funcionamento das instituições. Por exemplo: mais presidentes americanos sofreram processos de impeachment desde o fim da Guerra Fria do que nos primeiros dois séculos da república estadunidense. A polarização também aumenta o risco de violência política: 33% dos republicanos acreditam que “patriotas americanos podem ter que recorrer à violência para salvar o país”, em comparação com 22% de eleitores sem filiação partidária e 13% dos democratas. Nos bastidores, políticos nos EUA de ambos os lados do espectro ideológico frequentemente expressam preocupação com a quantidade de ameaças que recebem.
A polarização destrutiva não é um fenômeno exclusivo dos Estados Unidos. Ela espalhou-se globalmente, afetando democracias consolidadas e emergentes, e tornou-se um dos desafios políticos mais urgentes ao redor do mundo. Esse fenômeno, embora não seja novo, ganhou força nas últimas décadas, impulsionado por mudanças tecnológicas, redes sociais, o enfraquecimento do tecido social e estratégias políticas deliberadas por lideranças com ambições autoritárias. No entanto, experiências internacionais mostram que a polarização não é inevitável nem irreversível. Pelo contrário: da mesma forma que ela pode ser fomentada, também pode ser combatida. Nesse contexto, vale…